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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

sábado, 3 de março de 2012

Yasmina Khadra


O Grupo de Estudos Literatura Magrebina Francófona quer saudar o autor do momento, o argelino YASMINA KHADRA.



Se a surpresa habita a literatura, é nos romances de Yasmina Khadra (pronuncia-se Radra) que ela se mune de emoção, poesia, beleza pungente e dor desmesurada para tomar de assalto os leitores e deixá-los imersos no espanto próprio do alumbramento diante do inaudito.

Os  três romances de Yasmina Khadra  publicados no Brasil pela Sá Editora apartam-se radicalmente das vias seguidas pelos modernos autores magrebinos de expressão francesa. Se estes se nutrem do incomensurável manancial que o passado colonial legou, ainda que o explorem de várias formas em um caleidoscópico mosaico concedendo vida ao drama ancestral, Yasmine Khadra imiscui-se no mundo árabe profundo, o machreck, indo situar suas tramas em países do Golfo como o Iraque (As sirenas de Bagdá), no longínquo Afganistão (As andorinhas de Cabul) e em Israel e na Palestina (O atentado).  Yasmina explora a a fundo a doença mortífera que toma conta desses países, -  o integrismo. E para fazê-lo escolhe as estruturas frágeis das famílias, dos casais, das mulheres. É no seio destas células delicadas que tendem a se perder e se volatizar com a brutalidade das cicunstâncias em que um ou vários de seus membros se perde (ou se encontra, o leitor dirá...) em contato com o terror... Contato que se dá de formas variadas, mas a micro estrutura das famílias que se deterioram equivale à macro estrutura o mal que assola os países em questão.
Yasmina Khadra, (nome que em árabe - ياسمينة خضراء - significa jasmim verde) é o pseudônimo de  Mohamed Moulessehoul. E o pseudônimo poético adequa-se profundamente à poesia que consta em sua narrativa, como mostra o trecho a seguir de O Atentado, na tradução de Ana Montoia:


"Desço um pequeno caminho que leva até a praia, ocupo uma pedra e me concentro na brecha infinitesimal que vem arranhar as trevas. A brisa forrageia debaixo da minha camisa, desmancha meu cabelo. Abraço os joelhos, pouso suavemento o queixo por cima e não tiro os olhos do traço opalino que abre delicadamente as vestes do horizonte..."


Todavia, a suavidade do pseudônimo se anula quando as cenas de alta violência e  horror são destacadas, como no caso da lapidação de uma mulher em Cabul regida pelos Talibãs, espetáculo cru, que se passa em um estádio, assistido por uma multidão louca por sangue. Segue pequeno trecho da tradução de Regina Salgado Campos.

Mohsen apanha três pedras e as lança no alvo. As duas primeiras se perdem por causa do frenesi em volta, mas, na terceira tentativa, ele atinge a vítima em cheio na cabeça e vê, com uma insondável jubilação uma mancha vermelha surgir no lugar em que a tocou. No fim de um minuto, ensanguentada e alquebrada, a condenada desaba e não se mexe mais. Sua imobilidade eletriza ainda mais os apedrejadores que, com os olhos transtornados e a boca molhada, redobram a ferocidade, como se procurassem ressucitá-la para prolongar-lhe o suplício. Na histeria coletiva, persuadidos de que exorcizam seus demônios por meio dos da súcuba, nenhum deles percebe que o corpo atingido por todos os lados não reage mais às agressões, que a mulher imolada jaz sem vida já meio enterrada, como um monte de atrocidades jogado aos abutres".

Yasmina Khadra explora o verbo poético de forma intensa, ainda que não esperemos encontrar poesia em meio à brutalidade. Através de sua narrativa compartilhamos do real transcendido em alternâncias  entre o belo e o hediondo, entre o amor e seus párias, acompanhado do mimetismo que alça os personagens ao estatuto de estelas ardentes que marcam a divisa entre a literatura e o jornalismo.

Nossa saudação admirativa a Yasmina Khadra e que um olhar de canto de olho acaricie nossos leitores: que o encontro  entre ambos seja regido pela modernidade dos nossos tempos ferozes e a antiguidade do que há de mais harmônico no homem. Cada um que descubra o que seja. 

Siga este vídeo de entrevistas com o autor http://br.video.search.yahoo.com/search/video?p=yasmina+khadra&fr=ush-mail&fr2=piv-web