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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

sábado, 19 de julho de 2014

Do martírio palestino ao texto: a poesia árabe como forma de oração.


Quando escrevi Caligrafia da dor, a arte e o sagrado na poesia árabe sobre o mártir http://www.amazon.com/Calligraphie-douleur-po%C3%A9sie-martyr-Edition/dp/6131568650 imaginei  que minha inútil indignação contribuiria como gota no oceano, mas contribuiria sob forma depoimento sobre o conflito palestino, que sempre se mostrou ser uma chaga aberta da humanidade. Terra de derramamento de sangue, terra dos padecimentos do Cristo, a Palestina continuava em seu clamor ancestral, intensificado com a criação do estado de Israel em 1948. Mas o mundo seguia sua rota indiferente e hoje, tantos anos depois, o livro que originou de meu trabalho de doutoramento parece mais cruelmente atual do que eu jamais desejara.
É claro que a poesia nada pode contra a vida. É claro também que da vida pouco resta sem poesia. Mais claro ainda que a poesia sobre a dor, a tristeza e a perda pouco é poesia, mais é vida, mais é oração. Se a oração ganha os corações, breve ganhará as páginas, pois o coração do poeta é branco de linhas negras.  E se ganha o coração do poeta, é porque viu o mundo e viu a vida e a consequência é um misto das duas, em uma simbiose aguda e inseparável a poevida, ou a vidapoiesis.

É desta simbiose estranha e contumaz que surgiram os poemas de La remontée des cendres do marroquino

Tahar Ben Jelloun. Escrito em memória dos mártires do Golfo e do conflito palestino em 1992, o livro ressurge hoje atordoando a todos com sua velhinovice reformulada. Velho porque poesia; novo porque o conflito novamente aí está: o Iraque novamente vilipendiado, duplamente destruido, logo desaparecendo, e crianças palestinas às centenas sendo dizimadas sob os olhos tutelares e cínicos das potencias imperialistas do ocidente, que além de velhas, são hipócritas e sádicas.O assassinado de um jovem palestino Mohammed Abu Khudair queimado vivo em vingança ao assassinato de três adolescentes israelenses em 1º de julho de 2014 faz um coro funéreo com o poema sobre o rapaz Ali Saleh Saleh, de La remontée, executado em 1983.
Acusações, talião, revanche, neste clima as questões evoluíram até o que a presente se vê pela televisão: Gaza arde em chamas e luto, e todos nós, impotentes diante do fato.
Por isso a poesia, no caso a poesia marroquina de expressão francesa surge para transcender a desonra e a crueldade para dizer que o conflito palestino continua a girar rumo ao alto a pedra sacrificial e sisifiana. Mas haja poesia, que no fundo, é totalmente inútil se não se converter em oração...

Ali Saleh Saleh
29 de abril de 1983
Levaram o corpo dele enrolado em uma pele de carneiro
a cabeça e os pés nus ficavam de fora
brancos de poeira.
Lentamente seus membros deitaram-se no
            dia
O solo se abriu e o enlaçou num infinito
            abraço.
Ele tinha dezessete anos
Ali Saleh Saleh
Seu primeiro amor em Saída
foi a morte atada aos quadris da árvore.


Sobre Calligraphie de la douleur:

De quelle façon le poète arabo-musulman moderne hérite-t-il de la tradition artistique et religieuse du passé et les transforme-t-il en agents d'une poétique? A quel point le poète du présent et le monde du passé concilient un projet commun? Ce sont ces questions, entre autres, que ce livre cherche à éclairer visitant les élégies immenses et profondes de La Remontée des cendres, de Tahar Ben Jelloun, poèmes écrits sur la guerre du Golfe et le conflit palestinien. L'entrecroisement de la littérature et de l'art calligraphique et des arabesques, la question de l'image dans islam des débuts, guideront ce texte vers les origines et allieront l'histoire et la phénoménologie dans l'explication du sens propre de la poésie arabe moderne. Il s'agit d'une analyse de cette poésie qui répudie la banalisation de la douleur et rend hommage aux martyrs, visitant le tragique à la lumière transcendante des arts. Le poète et le calligraphe tissent les images et le monde par le biais du mot. Tous les deux captifs à jamais, non des dogmes, mais de la perception et du vécu.