Conheça-nos.

Minha foto
Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

sábado, 25 de agosto de 2012

Casamentos falidos e infelicidade masculina: Tahar Benjelloun.

Nas livrarias desde 22 de agosto está o novo romance de Tahar Benjelloun, "Le Bonheur conjugal", publicado pela Gallimard.
Muitas vezes, sob a capa do esquecimento e do silêncio, estão as verdades da memória pulsando interessantes e friorentas na mente dos homens, buscando uma fresta por onde sair e buscar o ar, a alegria dos grandes espaços exteriores ao eu sofredor e calado, insistente em elucubrar sobre o que não é mais, sendo, irmãos que são de filósofos... Quando a fresta é encontrada é que então se dá a grande surpresa que consiste no conhecimento do oculto através do relato de memórias, de lembranças. Estas emergem totalmente refeitas pelo seu sono prolongado e restaurador, que traz os fatos com força capaz de silenciar aqueles que julgavam estar tudo esquecido e perdido no tempo.
Assim emerge a memória no último romance de Tahar Benjelloun Le Bonheur conjugal.
 
Um pintor célebre, no auge da carreira sofre um Acidente vascular cerebral que o deixa incapaz. Ele decide então na solidão de sua enfermidade escrever as memórias de sua vida conjugal, para ele o motivo de sua atual condição. E assim o faz até que sua esposa descobre as notas e decide dar a sua versão das impressões do marido. Desenrolam-se então - sempre em duplas -, dois textos memoriais que mais se assemelham a uma justa entre dois seres em desvantagem, pois ao marido nada mais resta, posto que irremediavelmente tocado pela doença é-lhe subtraído o último recurso de refazer as forças senão físicas, pelo menos mentais do ser ao rememorar as agruras do casamento. Pobre homem, nem em meio ao martírio da doença cerebral lhe é subtraído o poder devastador da lembrança do convívio conjugal, ao passo que à esposa, ainda vigorosa lhe é atribuído o direito à resposta... Cúmulo da infelicidade para um homem...
 
 
A esposa encarna definitivamente o papel de Mãe-Viril,  e o esposo encarna o homem calado pela incapacidade de se impor tanto no passado como no presente da doença... As heroínas de Benjelloun são e sempre serão, pelo visto, Medusas austeras e imortais, poderosas e desumanas, e os homens, seres dominados pela angústia do feminino impositivo  e cruel, diante do qual sucumbem impotentes.
Um triste quadro.
 
Neste novo romance, Benjelloun arrasta e justifica a incapacidade masculina de confrontar a voz feminina austera e tenebrosa - tema recorrente em sua obra -, encaixando o personagem dentro do espaço da infelicidade onde estão os enfermos de AVC... Para aumentar e justificar a dor estão excluídos do texto a conciliação, a piedade, a bondade, a caridade, a ternura e a coragem diante do inevitável da enfermidade. O amor então, este passa longe, talvez viva nas crianças - ausentes, aliás, do texto do marroquino, se não for para falar de racismo ou da infância perdida. Le bonheur conjugal, oh, ironia das ironias,  é um texto tenebroso, mas de caráter melancolicamente autobiográfico.
 
Melhor fosse que as memórias continuassem em sua concha oculta e umbrosa e que, seladas pelo pudor, definitivamente sufocassem e morressem.
Tremendo.
                       Por Cláudia Falluh Balduino Ferreira
 

sábado, 11 de agosto de 2012

Sobre amores e amizades em Tahar Ben Jelloun.

 O último amigo, romance de Tahar Ben Jelloun é obra insólita do marroquino que nunca deixa de instalar suas tramas e seus personagens na balança dicotômica do bem e do mal, da normalidade e da estranheza, próprios do homem que é sapiens, mas que é também em grande medida, demens. 

A verdade é que as relações humanas em Ben Jelloun estão sempre instaladas na severa e radical classificação da unicidade. Ou seja, quanto ao amor, só o primeiro é o único, e quanto à amizade, esta é também definida pela unicidade, pelo laço da excepcionalidade que une os seres amigos, reduzindo as relações a uma especial idéia nuclear de que vivemos uma única verdadeira emoção com os equivalentes emotivos: amores e amigos. Temos um de cada: um amor, um amigo, ao qual dedicamos as harmonias ou as loucuras nossa verdadeira essência. Assim é o panorama apresentado pelo autor em sua obra: o número dois rege os trâmites das condutas humanas: bons ou maus, amigos ou inimigos, amantes ou desamados, (qual o contrário de amantes, amado leitor?) e primeiros e únicos. E assim ele procura estabelecer pontes entre dois pontos, vagando com uma tênue lanterna pelos labirintos tenebrosos da alma humana, com uma energia que é forte na constatação dos fatos, mas que pela própria dualidade, é frágil e efêmera. Daí a força do três, das tríades que nos revelam que nem tanto ao mar, nem tanto à terra, nem tanto nem tão pouco, o três deixa uma margem de fôlego à nossa humanidade: é o reino da Trindade e também do triângulo que agrada a tantos, afinal, quem tem dois tem um...  
É preciso que, repousando na praia serena longe da opção entre o bem e o mal, o homem seja devolvido e reintegrado ao espaço das possiblidades infinitas da existência , espaço este cosmogônico e generoso, apartado que está das prisões da dialética.
O último amigo, (traduzido do francês por Maria Angela Vilela e publicado pela  EditoraBertrand Brasil) é uma história de dois amigos que crescem juntos e que passam a existência em uma intensa confrontação de personalidades e objetivos. Avant seul...
                                                            Cláudia Falluh Balduino Ferreira.