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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

domingo, 22 de julho de 2012

Homenagem à Síria em tempos de trevas...


O Grupo Literatura Magrebina Francófona homenageia a Síria, mãe da civilização.
Se a primavera árabe foi uma farsa que possibilitou massacres inúteis, já que Ben Ali, o ditador da Tunísia onde tudo começou está exilado em algum harém saudita, Khadafi foi esfolado vivo e arrastado no abrasante cascalho do deserto líbio e do país hoje ninguém mais sabe, os monarcas marroquinos estão com as barbas de molho, a Argélia, calejada pelas enfumades do tempo da colonização selvagem e predatória que a França lhe impôs, se recolhe nos altiplanos das montanhas Cabila, os egípcios engaiolaram o amaldiçoado Mubarak, morre-não-morre, (nem seu suposto pai Akénathon o quer por aquelas paragens do além), mas a situação dos coptas continua indefinida e a etnia oprimida, enfim, diante destes fatos o que dizer do destino da Síria e de seu jovem ditador Bashar al-Assad nascido na fatídica data ocidental de 11 de setembro de 1965?...
Aqui por estas bandas ocidentais quando se fala do oriente médio todos pensam imediatamente na situação palestina, no Hamas, no Hezbollah, no conflito com Israel que já é quase septuagenário, no petróleo saudita, na guerra civil do Líbano, nos aiatolás e suas esquisitices que não são árabes, são persas, assim como se fala muito sobre a fúria dos mujahidins talibãs cujos milhares de quilômetros que deles nos separam é uma benção, mas que também não são árabes, são afegãos, ou patchuns, e no Iraque, que hoje cata aqui e acolá pedaços de seu antigo turbante, fragmentos de suas babouches, farrapos de suas túnicas brancas e costuram um país-espantalho, cuja face andrajosa causa espécie, pois conhecemos muito pouco de seus trajes de gala escondidos pela mídia, exímia em expor um néo-orientalismo estereotipado e burro que não reflete além das imagens e desconhece o passado, gerando a repetição de erros deste no presente e pelas mentalidades. Longas frases combinam com grandes indignações. O fato é que a situação política no oriente médio é e sempre foi complexa e as reduções da mídia a transformam em um jogo de fanáticos e intolerantes, enquanto que a verdade destes povos transcende estas definições errôneas e simplistas, próprias da forma esdrúxula que o mundo ocidental descobriu para resumir o que lhe é desconhecido, logo, indiferente - Evoé, Edward Said... -, mas de comunicação inevitável, ainda que incompleta.
É raro ouvirmos notícias do mundo literário árabe, sobretudo o mundo das letras sírias. A língua é uma barreira rumo ao ocidente que os escritores do Magrebe transpuseram ao adotar o francês como um tipo de butim de guerra, segundo a excelente expressão argelina. Porém, o mundo sírio e sua literatura hoje fremem... As bombas e o crescente avanço da violência têm sido mais expressivos que a palavra poética, mas as brasas ardem sob as cinzas.
Onde estão os escritores sírios neste momento doloroso em que este fantástico país é avassalado por bombas angustiosas e inclementes unidas a promessa infame de armas químicas?
Um dos seus maiores autores é Adonis, pseudônimo de Ali Ahmed Said Esber (1930). Adonis é um dos maiores poetas árabes da atualidade, autor de 15 volumes de poesia. Traduzido em mais de trinta idiomas (inclusive em português, pela Cia das Letras, tradução de Michel Sleiman e apresentação de MIlton Hatoum), ele é o grande teórico do poema em prosa, renovou profundamente através de sua prática a literatura árabe contemporânea e acaba de receber o prestigioso Prêmio Goethe pelo conjunto de sua obra.







Adonis escreveu uma carta aberta ao presidente Bachar al-Assad, publicada no jornal libanês As-Safir, em 14 de junho de 2011, dois meses depois da revolta tunisiana, rompendo um grande silêncio das letras sírias, conforme o historiador libanês Abbas Baydoun que abriu uma polêmica nas colunas do mesmo jornal.
Em dez pontos Adonis convidava « o Sr. Presidente a colocar em prática as condições e os  princípios da democracia  [...] inevitável ainda que estranha ao patrimônio cultural árabe”. Ele insistia veementemente sobre a necessidade de separar a religião da política, e também o Estado do partido cujos objetivos foram desencaminhados ao longo do tempo.
Mais que o conteúdo desta carta, numerosos detratores de Adonis na imprensa árabe visaram a maneira pela qual ele se dirigia ao « presidente eleito » (Al-Assad sucedeu seu pai) assim como “depositar nele esperanças”. Em 6 de agosto de 2011, o poeta radicalizará e convidará o presidente sírio a pedir demissão...
Adonis com sua carta aberta coloca o dedo no nariz do dirigente em uma atitude corajosa e destemida que sua idade avançada (81 anos) isenta de maiores males.
Entrevistando Adonis, o jornalista Mohammed Chouïeb lhe perguntou: Poderá um dirigente político ler a carta de um poeta ou escutar seus conselhos? Ao que Adonis respondeu: Qual dirigente deixou de ouvir um poeta? (Leia a entrevista completa em http://bibliobs.nouvelobs.com/actualites/20110928.OBS1292/adonis-il-n-y-a-pas-eu-de-revolution-arabe.html).
E a Síria segue seu destino, entre muita bomba e pouca poesia, mas com a solidariedade daqueles que rezam pelo povo e torcem para que os tesouros da civilização que estão guardados naquele país sejam preservados da arrogância, da ganância e do ódio iconoclasta. Enfin, bref...
O Grupo Literatura Magrebina Francófona é um amigo que se solidariza com a Síria, seus poetas e seu povo nestes tempos de trevas. Mas as luzes sempre vencem a escuridão.
                                                                Cláudia Falluh Balduino Ferreira.
        
Assista aos excelentes vídeos com Adonis no México,  falando sobre literatura: "A poesia deve estar sempre ao lado do homem livre! " . Excelente entrevista. em:
Sobre o poeta e a primavera árabe. Muitíssimo bom, não perca em:
 http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=GFb_SHJwUyA