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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

A última estação: entrevistando o cineasta e ator libanês Mounir Maasri

Um Eldorado em desencanto: o filme A última estação.


Cláudia Falluh e Mounir Maasri em Byblos, Líbano, 2009.


A história da imigração árabe no Brasil é encantadora e comovente. Nela estão inseridas as lutas, esperanças, sucessos e tragédias de muitas gerações. Fascinados pela América, ou Amrik, como pronunciavam e desencantados com a força do império turco sobre as minorias cristãs, milhares de sírios e libaneses oprimidos pelo grande massacre de cristãos no século XIX na Síria, deixam para sempre a terra natal e metidos em navios ousam uma travessia de quarenta dias (número profético, aliás...) rumo às paragens tropicais jamais imaginadas e que se transformarão em berço de uma nova geração.

O cineasta e ator libanês Mounir Maasri foi o convidado do Grupo de Estudos Literários Magrebinos Francófonos. Tive o prazer de recebê-lo e entrevistá-lo nos estúdios da UnBTV, no programa Lanterninha. Mounir é o protagonista do filme A última estação. Este filme que abriu o Festival de Cinema de Brasília de 2012 é a primeira co-produção entre o Brasil e o Líbano. Filmado nos dois países o filme relata a saga de um jovem libanês que desembarca no Brasil  em busca de fortuna e prosperidade. Os caminhos da vida o levam a direções diferentes e o eldorado se revela um mito inacessível. Interpretado por Mounir Maasri, Tarik encarna o árabe aventureiro, coração cheio de ilusão, coragem e de promessas. Principalmente o filme quer revelar o mito do eldorado que se desfaz no quotidiano de lutas de uma realidade pungente e simplesmente normal.

Convidamos nossos leitores a acompanharem a entrevista nos dois blocos seguintes. Bom proveito!!










segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

L'inattendu dans la création littéraire et artistique, à la lumière du "Printemps arabe".

L’inattendu dans la création littéraire et artistique, à la lumière du  "Printemps arabe ».

O inesperado na criação literária e artística, à luz da "Primavera árabe".


A Universidade Lumière/Lyon (França) realizará nos dias 24 e 25 de outubro de 2013 o Colóquio "O inesperado na criação literária e artística, à luz da primavera árabe". Segue o texto com detalhes do evento e o link para aqueles desejosos de mais informações.
Coordenado pelo Professor Charles Bonn, o evento é digno da modernidade dos acontecimentos árabes dos últimos tempos. O site LIMAG, tradicional e completíssimo é uma fonte maravilhosa de informações sobre os mundos magrebinos.
Visite-o e cultive-se em http://www.limag.refer.org/ 


L’Université Lumière/Lyon-2 Nous avons tous été surpris par ce qu’il est de plus en plus convenu d’appeler le « Printemps arabe », lequel a pris naissance l’hiver 2010-2011 en Tunisie, pour se prolonger en Egypte et dans de nombreux autres pays. Quels que soient les développements politiques de ces révolutions, elles bouleversent profondément notre regard sur le monde et nos systèmes d’explication de ce dernier, déstabilisant ainsi l’assurance des discours les plus évidents, tout comme leurs formes. Et si les cohérences idéologiques sont ainsi mises à mal, on attend de la parole littéraire l’invention de nouveaux modes du dire : non pas tant, tout de suite, ces réponses qui échappent aux idéologies, que le jaillissement de modalités langagières nouvelles. Car si, comme le roi soudain nu, les idéologies révèlent maintenant leur impuissance à rendre compte de ce qui se passe, la littérature quant à elle ne se contente plus de modèles génériques éprouvés. La littérature maghrébine pratique depuis longtemps (souvenons-nous de Kateb Yacine, parmi d’autres) cette subversion généralisée des genres, subversion aussi de ce qui les distingue les uns des autres, comme de ce qui distingue le « littéraire » du « non-littéraire ». Et s’interroge avec Mohammed Dib sur les pouvoirs du langage face aux défis d’un réel qui toujours lui échappe. Et ces dernières années ont vu se développer aussi des courants d’expression culturelle collective nouveaux, comme la « Nayda » au Maroc et son renouvellement musical, chorégraphique ou théâtral. Enfin, même s’ils ne sont certes pas nouveaux dans cet espace comme ailleurs, le « Printemps arabe » a permis le surgissement de modes d’expression inattendus comme les blogs ou les graffitis. 

Leia mais em http://www.limag.refer.org/new/calmanif.php?action=list&notitle=1

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Novíssima geração de escritores magrebinos.

                 Nestes tempos de promessa de fim de mundo, há quem, antes de entrar em um confortável e fofo bunker para ali aguardar o apocalipse roendo as unhas, considere também o fim da literatura marroquina de expressão francesa. Alguns, mais pessimistas ainda trombeteiam o fim da literatura árabe de expressão francesa, cujos ícones estão envelhecendo, muitos já se foram, e o mundo pós colonial, que levantou uma geração de poetas e romancistas espetaculares, hoje dorme cansado de guerra, os pés sobre os almofadões da memória e galões no peito meio foscos de tanto neles bater a mão que agora pende. Em seu lugar surge o contexto estupendo de uma certa primavera árabe, iniciada por revoltas ancestrais contra modelos já mais de uma vez abatidos, mas que ressuscitaram como zumbis na pele de ditadores cafonas, cabelos e bigodes nigérrimos banhados em henée e despoticamente ignorantes. Uma primavera árabe em desencanto, até que a Alcaida destrone Bachar el Assad. Só não seria pior se esta mesma primavera não tivesse sido suscitada por jovens. Munidos de suas câmeras e seus celulares, entusiasmaram o mundo, para em seguida se desencantarem com o ranço ditatorial que teima em ressurgir como praga.
Pois bem, para nos surpreender, para nos acordar da tarde modorrenta em que os ícones tomam chá com biscoitinhos e provar que há uma geração a caminho dentre os grandes nomes da literatura marroquina, surge o romance "Aïcha". 
        Vem de Agdez, Marrocos. 
    É escritos por jovens. Um romance escrito em conjunto por 19 jovens estudantes secundários marroquinos.
      Já consigo escutar a velha guarda  franzir o sobrolho, torcer o nariz onde cavalga um pincenez e dizer com os botões do pijama: alunos? Obra coletiva?  As vezes muxoxos são audíveis, como paredes tem ouvidos e como livros se escrevem diferentemente hoje. 
    Deixemos para lá os saudosistas que dormem abraçados ao passado e vejamos de perto esta maravilhosa ousadia destes jovens marroquinos.
      Dirigidos por um ousado professor que se denomina un Esprit libre, Aïcha é um romance escrito pelos alunos do liceu de Zagora (Liceu Ibn Sina, Mazguita, Agdez, no Marrocos) Trata-se de uma produção que surgiu de uma experiência no âmbito de um atelier d'écriture. Lahcen reunia os alunos e nessas reuniões era preparado o romance. O objetivo do professor era permitir que os alunos se expressassem, que falassem de si, ..."Ils sont pauvres, mais leur imagination est riche. Ils sont petits mais leur passion est grande".   


O livro relata as aventuras e desaventuras de uma jovem marroquina, do meio rural, pobre oprimida, solitária e atarefada. O grupo coloca ênfase sobre a condição da mulher bérbere marroquina das regiões do sul. Uma situação difícil: sociedade ultra fechada, casamentos precoces, ausência de liberdade, etc. Aicha e seu perfil iluminam este obscuro sítio marroquino, Agdez, onde as  tradições e o patrimônio deixam pouca brecha ao moderno. Ela vive sob o jugo da madrasta, sobrecarregada de tarefas e com pouco tempo para os estudos. Uma gata borralheira bérbere, sem dúvida, reflexos de Cendrillon que estão por todo lado neste mundo, ainda que pensemos o contrário. 


Agdez , Marrocos. Foto de Lahcen.


A experiência do professor e seus alunos em criar um romance coletivo e publicá-lo é no mínimo surpreendente. A forma coletiva do romance é emprestada do moderno WIKI e tem  um mérito imenso de unir imaginários na costura de um argumento literário. Não havendo nada de novo sob o sol, e considerando que Cinderelas são antiquíssimas, resta àqueles tocados pela vontade de criar, fazê-lo com novas tecnologias da informação e utilizar também a nova modalidade de publicação que a editora propõe, que so peca no alto preço do livro. E este pequeno livro é um exemplo extraordinário. Também o é o fato de ser escrito em francês, não em árabe, no Marrocos profundo, Isso prova que o idioma permanece neste país como herança do protetorado, como um bem cultural inalienável e que é empregado pela novíssima geração de lycéens
Portanto, longa vida aos romances marroquinos de expressão francesa, sejam eles escritos por quem for. Parabéns a Lahcen, que além de excelente professor é um grande fotógrafo, apaixonado pela sua região, como podemos ver.



Excellent interview avec B.  Lahcen : http://www.almaouja.com/sur-la-vague/initiatives/418-aicha-le-temoignage-collectif-d-un-groupe-de-lyceens-d-agdez

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Uma viagem pela caligrafia e pintura de Rabah Soukehal, um artista argelino.


Se o poeta caligrafa o mundo com a palavra, o calígrafo, por sua vez poetiza a palavra com seus pincéis e ‘qalams’ de variada natureza.  Mas quando a poesia é o tema do calígrafo, então palavras e imagens se unem em um projeto simbiótico e fecundo, cujo resultado é o deleite pela visão da palavra amorosa e poética.  É o que faz o excelente calígrafo, pintor e músico Rabah Soukeral.

Argelino, nascido em Annaba,  “... cidade que se banha na luz, deitada às margens de uma magnífica baia, embalada pelos incessantes fluxos e refluxos mediterrânicos”, a arte caligráfica de Soukeral mergulha em água, ar, luz e calor, enfim toda atmosfera mediterrânea que envolve em perfume  as terras argelinas. Em sua arte está contida a liberdade da linha em diálogo perpétuo com a beleza e a sensibilidade. 















"A única verdade é amar tudo o que vive sobre a terra"
Maître Fakir, Rajastan, Inde. Encre de Chine, 40X50 cm, 2007, collection privée.








                 "Pour tes yeux, mon coeur n'a rien trouvé et ne trouvera pas". El Moutanabi, poète arabe, (915-965)













 A pintura de Rabah Soukenal é surpreendentemente iluminada. Certamente são reflexos (literais...) de  suas origens. O artista transita entre a cidade e o mar, a mulher e o menino, a vida e a morte.

La Casbah d'Alger. 

Em meu livro Calligraphie de la douleur, l'art et le sacré dans la poésie arabe sur le martyre , Sarrebruck: EUE, 2011, trato do tema da união das duas artes: a caligrafia e a poesia, na construção de uma poética árabe marroquina especialíssima e essencial. O entendimento do mundo do poeta árabe islâmico passa pela contemplação estimulante do universo caligráfico que o envolve. o poeta e o calígrafo tecem as imagens e o mundo através da palavra. Ambos cativos para sempre, não dos dogmas, mas da percepção e do vivido. 



"Um irmão não é necessariamente aquele que tua mãe gerou". Provérbio árabe.

Tempête.

La mère et son enfant.



"O ser que amo e desejo  me visitou ontem. Passou a noite em minha companhia e despertou reconhecido."
Mohammed Ibn Msayeb, poète algérien.



Chaouia. (Berbére algérienne des Aurès)


Assim mesclando a arte caligráfica e a pintura, este excelente artista argelino concilia mundos e expande imaginários. Em suas mãos a caligrafia ultrapassa os limites de sua função sagrada para trazer à luz a poesia amorosa, interessante e intensa dos antigos poetas árabes e persas. 

VISITE o excelente site do artista em:
para deleite de nossos leitores.

Por Cláudia Falluh Balduino Ferreira. Brasília.


sábado, 27 de outubro de 2012

Um chá no harém de Tahar Ben Jelloun: o romance Harrouda.




As primeiras manifestações  da representação da mulher na obra do escritor marroquino Tahar Ben Jelloun surgem do silêncio oculto e umbroso da infância.
Primeiro emerge a imagem da Mãe, pureza recôndita, inocência várias vezes tentada, mas jamais seduzida, que traz a vida e organiza o caos. Segundo o texto sagrado dos muçulmanos, a mulher é aquela em quem a vida se esconde “... sob os três véus de trevas: âmnion, útero e ventre”. (surata Az-Zumar). Sobre ela o autor dirá:
Je suis né de la souffrance d’une procréatrice qui a coupé le cordon ombilical de l’endurance dans le sang aveugle.
Ma mère, une femme.
Ma mère, une épouse
Ma mère, une fillette qui n’a pas eu le temps de croire à sa puberté.
Ma mère je t’écoute.


Depois surgem as outras mulheres, não tão ocultas assim, públicas certamente: a mendiga, a prostituta, as primas e demais mulheres, todas tentadoras e perniciosas, proibidas e eróticas, estrangeiras e pagãs. Fazendo parte de uma corte extravagante, algo sinistra, porém extremamente desafiadora e instigante, estas mulheres são o motor do desejo, a profunda manifestação das obsessões ocultas, algo paranoicas, algo celestiais, elas desfilam seu cortejo sincero e andrajoso nas páginas do primeiro romance do autor marroquino Harrouda.

Neste romance essencial estão expostas as primícias das personagens femininas que levarão Ben Jelloun rumo aos grandes prêmios da literatura mundial. Como um sutil comprador nas prateleiras da vida humana, o autor recolhe em um grande cesto os avatares femininos que o vivido envolto de rara felicidade e de fatalidade abundante propõe e depois os instala em sua coletânea livresca feita de milhares de rostos femininos emparelhados na estante romanesca da mescla e da pureza que faz sua obra.

Harrouda é a mulher-mito, orgânica, essencial, quintessencial. Dela partem as escolhas de todas as outras que surgirão e povoarão o gineceu vário e sutil que a obra de Ben Jelloun constitui. Ela é o ser que vaga nas medinas antigas e labirínticas, que ora vive da caridade dos passantes, abrigada na clandestinidade dos cantos escuros e desprezados da cidade, ora se transforma na rainha superbe dos imaginários masculinos, ali reinando absoluta, envolta nas centenas de véus luminosos da imaginação e do delírio, soberana entre os meninos e os homens, jamais excluída, jamais esquecida. Harrouda é a graça libertadora contida na glória do maternal e também o vício escravizador que domina o relógio das poluções, a libido imortal e a gana pelo outro. Ao mesmo tempo rainha e mendiga, anjo e djinn dos poços, Harrouda se une às formas dramáticas da cidade árabe para incrustar sua loucura e sua lucidez no coração do imaginário masculino marroquino.
Harrouda é a chave do enigma de todos os romances de Tahar Ben Jelloun.

Por Cláudia Falluh Balduino Ferreira
Edição utilizada : Harrouda. Paris: Futuropolis/Gallimard. 1991. Ilustrações de BAUDOIN. 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Existe humor no islã? As mulheres respondem.

Existe humor no islã? Esta nunca foi a pergunta que não quis calar, portanto, pergunto, (logo, continuo existindo)  e vejo uma das respostas no livro da tunisiana Leila Labidi, "L'humour dans l'islam" (El fakah fil islam).
Publicado em 2010 pela editora libanesa Dar Essaqi, (Beirute) ainda sem tradução do árabe, o tema é, no mínimo, insólito, mas não deixa de cair bem e surpreender neste momento em que o islã é colocado em evidência através do famigerado filme que tanto tem causado polêmicas e mortes pelo mundo afora.
Dentro do contexto do filme e de seu impacto nas comunidades islâmicas mundiais a última coisa sobre a qual se poderia pensar seria no humor. Deixemos, pois, o malfadado de lado, de vez que ele não foi confeccionado por muçulmanos, mas por seus infernais inimigos americanos em tempos de eleições (continuo existindo...) e uma discussão, ainda que seja interessante do ponto de vista sociológico, não é nosso propósito.
Quero, isso sim, falar do humor dentro do islã. Este aspecto desta religião tem passado despercebido devido a razões que conhecemos todos e que causam o atolamento da religião islâmica aos olhos ocidentais em todos os ismos maléficos e estuporantes com os quais se tornou praxe defini-la e aos seus crentes pelos olhares menos arguciosos, logo, mais rudes. É preciso deixar de lado a rudeza imposta pelas convicções mediáticas para conseguir ver o que só os ex-rudis conseguem. Por isso é tão difícil compreender o outro: muitas vezes a explicação não vem da observação crítica, mas do pré-conceito herdado.
Leila Labidi é uma destas ex-rudis, que de forma brilhante percorre o texto sagrado dos muçulmanos em uma busca fortuita e coroada de uma pesquisa de sucesso sobre a imagem do Profeta, seu caráter, sua troca com os que passaram em sua vida,  revelando o islã pelo ângulo dos momentos de alegria, de graça, de jovialidade, de riso e de sorrisos que marcaram a vida de seus primeiros adeptos e do próprio Maomé. A autora passa em revista as grandes épocas e escolas do riso durante a Antiguidade greco-romana e entre os primeiros árabes, consagrando neste livro um capítulo inteiro ao "riso de Allah". Tudo isso folheando minuciosamente o alcorão e os ditos do Profeta, a tradição. O texto de  Layla Labidi traz informações que ao mesmo tempo divertem, instigam, enfrentam os tabus e sobretudo provocam a reflexão e assim esclarecem - a despeito das concepções pré-estabelecidas tanto entre muçulmanos como não-muçulmanos -, a aura de austeridade, de gravidade e de sinistra frieza que inspirariam a religião de Maomé.  
 
Nestes tempos calamitosos que vivemos, em que a religião é o estopim e o pretexto para as discórdias humanas, em que ribombam os ecos antigos e sangrentos das Cruzadas  pelos quatro cantos do planeta é no mínimo sublime a iniciativa intelectual de Leila Labidi.  

A mulher e o sagrado.
 
A visão feminina do sagrado e da performance da mulher em religião sempre foi o que deu alento às religiões conhecidas como "do Livro", o judaísmo, o cristianismo, e o islã. Os textos santos sempre encontram fôlego na presença da mulher, cuja performance junto aos 'arautos' de Deus, alivia as leis draconianas que os homens criam para tentar compreender e interpretar o Criador. E muitas vezes as mulheres são vítimas destas mesmas leis. E só passar em revista a situação da primeira mulher Eva, e percorrer o judaísmo nas faces de Esther, de Rute, de Judith, de Suzana, de Sara. Sigam pela transição ao cristianismo que a Virgem Maria representa, por Maria Madalena, Joana, Affia e Febe, mencionadas por São Paulo, entre muitas outras que os Evangelhos informam terem sido seguidoras do Cristo, mas sempre como figuras secundárias, veladas, ocultas pela preminência masculina que rege até hoje a prática religiosa. Daí tanta intolerância e vaidade a meu ver. E finalmente  no islã, surgem mulheres impressionantes e importantíssimas como Amina, Khadija,  Halima, Aicha, Zaynab, Çaifa, Maymouna. Mas verdade é que nomes de mulheres não são citados no Alcorão, à excessão, pasmem, da Virgem Maria  citada não menos que 34 vezes e a quem uma surata inteira é dedicada. A mulher está para o sagrado como a árvore para as folhas, a semente para o fruto, a água para a vida. É intolerável ter sido mantida apartada da prática religiosa e espiritual ao longo da história.
 
Leila Labidi, assim como sua conterrânea, a tunisiana Olfa Youssef são duas mulheres que colocam o islã sob os holofotes da pesquisa, da modernidade levantando fontes, confrontando dados, introduzindo na leitura as modernas teorias interpretativas e revelando dados, detalhes e lados do texto sagrado, o qual desde sempre reduzido e amarrado na exegese e na ótica masculina do orgulho e do egoísmo, transformam Deus em algoz e os que nele crêem em mujahidins do sagrado.
Realmente, assim não tem a menor graça...

Por Cláudia Falluh Balduino Ferreira
 
 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Victor Hugo e a colonização da Argélia no século XIX.

A Universidade de Brasília comemorou dias 28, 29 e 30 de agosto os 210 anos do escritor Victor Hugo em um evento intitulado 210 HugoAnos.

A ocasião reuniu pesquisadores internacionais do grande gênio francês, como Arnaud Laster e Danielle Gasiglia-Laster (França), Maxime Prévost (Canadá) e Delphine Glaise (França) e nacionais como Bárbara Freitag-Rouanet, Hermenegildo Bastos, Elga Laborde, Marcos Moreira, Augusto Rodrigues, Edvaldo Bergamo, Piero Eyben, Sidney Barbosa e Cláudia Falluh Balduino, todos professores e ex-professores da UnB. Em um clima de muita troca, descobertas e sobretudo interações multidisciplinares, Victor Hugo foi relido e revisitado à luz da arte pictórica,  da crítica literária, da história, gerando debates e renovando a fascinação exercida pelo criador do célebre Corcunda de Notre Dame, que atravessa o tempo!



Este ano de 2012 é ano de jubileus extraordinários que se convergem de forma muito rica no espaço universitário brasiliense: a Universidade de Brasília, especialmente o Instituto de Letras comemoram 50 anos, a Argélia celebra o cinquentenário de sua independência, o romance Os miseráveis comemora 150 anos de sua edição, e  de Victor Hugo os 210 anos de nascimento. São números que nos informam que o tempo passa (ou nous passons...) mas que é fundamental comemorarmos, renovando os homens, a memória e fortalecendo e estimulando as novas gerações com o legado do passado! Estas comemorações encontram uma ultra-sonoridade entre nós da Universidade de Brasília.
Cláudia Falluh e Bárbara Freitag-Rouanet nos 210 HugoAnos.

O grupo de pesquisa Estudos Literários Magrebinos Francófonos esteve presente representado pela professora Cláudia Falluh Balduino que apresentou a conferência Victor Hugo e a colonização da Argélia.

Nascido em 1802, Victor Hugo acompanhou toda a movimentação do império francês pelas paragens africanas do norte e a tomada de Argélia em 1830. Manifestou-se de forma velada sobre a questão argelina, jamais tendo escrito um artigo específico ou uma obra sobre o assunto, mas colecionou em seus Carnets, ou em Choses vues notas relevantes e apontamentos. Entusiasmado em levar a civilização à barbárie de Africa, como foi assim denotado, Hugo contudo se afasta definitivamente do tema ao perceber  dominação ignóbil e predatória do exército francês sobre a Argélia. Afasta-se ainda mais ao constatar a traição da França de Louis-Philippe ao Emir Abdelkader: ao invés de libertá-lo com a rendição, conforme o prometido, a França captura e confina o Emir na França e o faz amargar anos de exílio, durante o qual falece em Damasco, sem jamais retornar ao seu país natal. Victor Hugo e Abdelkhader tinham quase a mesma idade, sendo o Emir seis anos mais novo que o escritor.
E interessante refletir sobre a trajetória destes dois homens, líderes, cada qual, do universo a que pertenciam: Victor Hugo, na literatura de seu tempo, gerindo e criando mundos e personagens diversos em uma malha em que o imaginário mesclava-se à realidade e o Emir Abdelkhader, não somente o líder da resistência argelina, mas líder de todo um povo que conseguiu conscientizar de seu valor e de seus direitos face à invasão francesa e que ecoou mais tarde, durante a colonização predatória e desumana que lhe fora imposta e durante as guerras da independência. O lider morreu em pleno processo de tomada de posse de seu país. Seus objetivos e meios estavam longe da imaginação hugoana e consistiam em propósitos honrosos, dignos, patrióticos e elevados para fazer de seu país um mundo que ingressasse nas estruturas do século XIX que incluiam a revolução industrial e o progresso. Infelizmente isso não se deu. Abdelkader é considerado o fundador do estado argelino moderno.
Enquanto isso, nos romances e poesias de Victor Hugo, o oriente surge como o espaço do exotismo e é usado com abundância na confecção de seus planos oníricos de liberdade e  fruição dos prazeres da vida. Enquanto deleita-se e faz o público francês deleitar-se com um oriente imaginário, repleto de cavaleiros audazes e mulheres extragantes, o oriente real, o Magreb, se dilacera sob ferro, fogo, massacres e a guilhotina - este instrumento francês de desgraça e de trevas transferido da hoje Place de la Concorde, em Paris, onde decepou cabeças de reis e proletários -, é desembarcada em Argel em 1850, sendo amplamente utilizada nas prisões do país pelos franceses até 1962, quando a Argélia finalmente se liberta da França. Este foi o tipo de "civilização" introduzido nas terras bérberes.
A crítica salienta que os poemas Les orientales chamar-se-ia primeiramente Algériennes. Face à proximidade deste oriente em chamas, Hugo troca o nome, e instala o oriente no lugar do sonho, mas nem os sonhos lhe darão esquecimento da realidade magrebina.

Amado leitor deste Blog, felizmente na vida tudo muda, a roda da fortuna gira, os homens passam, todos passamos, os países e os regimes evoluem. Resta a memória do vivido como frágil manifestação dos andares e atuações humanas neste mundo. Merleau-Ponty dirá "...vemos as coisas mesmas, o mundo é aquilo que vemos". Felizmente o mundo não é apenas o que a percepção oferece. Acima dos vícios de espírito que se refletem em uma percepção duramente fixada em elementos dolorosos como as guerras, está o espaço da criação literária que quer transcender a história e desvelar mundos outros, mas nunca deixa de jogar sua âncora no real, às vezes lodoso, às vezes sublime. 

Deixemos o passado passar e Viva a Universidade de Brasília! Viva o Instituto de Letras! Viva a Argélia independente e viva Victor Hugo!

Por Cláudia Falluh Balduino Ferreira.






sábado, 25 de agosto de 2012

Casamentos falidos e infelicidade masculina: Tahar Benjelloun.

Nas livrarias desde 22 de agosto está o novo romance de Tahar Benjelloun, "Le Bonheur conjugal", publicado pela Gallimard.
Muitas vezes, sob a capa do esquecimento e do silêncio, estão as verdades da memória pulsando interessantes e friorentas na mente dos homens, buscando uma fresta por onde sair e buscar o ar, a alegria dos grandes espaços exteriores ao eu sofredor e calado, insistente em elucubrar sobre o que não é mais, sendo, irmãos que são de filósofos... Quando a fresta é encontrada é que então se dá a grande surpresa que consiste no conhecimento do oculto através do relato de memórias, de lembranças. Estas emergem totalmente refeitas pelo seu sono prolongado e restaurador, que traz os fatos com força capaz de silenciar aqueles que julgavam estar tudo esquecido e perdido no tempo.
Assim emerge a memória no último romance de Tahar Benjelloun Le Bonheur conjugal.
 
Um pintor célebre, no auge da carreira sofre um Acidente vascular cerebral que o deixa incapaz. Ele decide então na solidão de sua enfermidade escrever as memórias de sua vida conjugal, para ele o motivo de sua atual condição. E assim o faz até que sua esposa descobre as notas e decide dar a sua versão das impressões do marido. Desenrolam-se então - sempre em duplas -, dois textos memoriais que mais se assemelham a uma justa entre dois seres em desvantagem, pois ao marido nada mais resta, posto que irremediavelmente tocado pela doença é-lhe subtraído o último recurso de refazer as forças senão físicas, pelo menos mentais do ser ao rememorar as agruras do casamento. Pobre homem, nem em meio ao martírio da doença cerebral lhe é subtraído o poder devastador da lembrança do convívio conjugal, ao passo que à esposa, ainda vigorosa lhe é atribuído o direito à resposta... Cúmulo da infelicidade para um homem...
 
 
A esposa encarna definitivamente o papel de Mãe-Viril,  e o esposo encarna o homem calado pela incapacidade de se impor tanto no passado como no presente da doença... As heroínas de Benjelloun são e sempre serão, pelo visto, Medusas austeras e imortais, poderosas e desumanas, e os homens, seres dominados pela angústia do feminino impositivo  e cruel, diante do qual sucumbem impotentes.
Um triste quadro.
 
Neste novo romance, Benjelloun arrasta e justifica a incapacidade masculina de confrontar a voz feminina austera e tenebrosa - tema recorrente em sua obra -, encaixando o personagem dentro do espaço da infelicidade onde estão os enfermos de AVC... Para aumentar e justificar a dor estão excluídos do texto a conciliação, a piedade, a bondade, a caridade, a ternura e a coragem diante do inevitável da enfermidade. O amor então, este passa longe, talvez viva nas crianças - ausentes, aliás, do texto do marroquino, se não for para falar de racismo ou da infância perdida. Le bonheur conjugal, oh, ironia das ironias,  é um texto tenebroso, mas de caráter melancolicamente autobiográfico.
 
Melhor fosse que as memórias continuassem em sua concha oculta e umbrosa e que, seladas pelo pudor, definitivamente sufocassem e morressem.
Tremendo.
                       Por Cláudia Falluh Balduino Ferreira
 

sábado, 11 de agosto de 2012

Sobre amores e amizades em Tahar Ben Jelloun.

 O último amigo, romance de Tahar Ben Jelloun é obra insólita do marroquino que nunca deixa de instalar suas tramas e seus personagens na balança dicotômica do bem e do mal, da normalidade e da estranheza, próprios do homem que é sapiens, mas que é também em grande medida, demens. 

A verdade é que as relações humanas em Ben Jelloun estão sempre instaladas na severa e radical classificação da unicidade. Ou seja, quanto ao amor, só o primeiro é o único, e quanto à amizade, esta é também definida pela unicidade, pelo laço da excepcionalidade que une os seres amigos, reduzindo as relações a uma especial idéia nuclear de que vivemos uma única verdadeira emoção com os equivalentes emotivos: amores e amigos. Temos um de cada: um amor, um amigo, ao qual dedicamos as harmonias ou as loucuras nossa verdadeira essência. Assim é o panorama apresentado pelo autor em sua obra: o número dois rege os trâmites das condutas humanas: bons ou maus, amigos ou inimigos, amantes ou desamados, (qual o contrário de amantes, amado leitor?) e primeiros e únicos. E assim ele procura estabelecer pontes entre dois pontos, vagando com uma tênue lanterna pelos labirintos tenebrosos da alma humana, com uma energia que é forte na constatação dos fatos, mas que pela própria dualidade, é frágil e efêmera. Daí a força do três, das tríades que nos revelam que nem tanto ao mar, nem tanto à terra, nem tanto nem tão pouco, o três deixa uma margem de fôlego à nossa humanidade: é o reino da Trindade e também do triângulo que agrada a tantos, afinal, quem tem dois tem um...  
É preciso que, repousando na praia serena longe da opção entre o bem e o mal, o homem seja devolvido e reintegrado ao espaço das possiblidades infinitas da existência , espaço este cosmogônico e generoso, apartado que está das prisões da dialética.
O último amigo, (traduzido do francês por Maria Angela Vilela e publicado pela  EditoraBertrand Brasil) é uma história de dois amigos que crescem juntos e que passam a existência em uma intensa confrontação de personalidades e objetivos. Avant seul...
                                                            Cláudia Falluh Balduino Ferreira.

domingo, 22 de julho de 2012

Homenagem à Síria em tempos de trevas...


O Grupo Literatura Magrebina Francófona homenageia a Síria, mãe da civilização.
Se a primavera árabe foi uma farsa que possibilitou massacres inúteis, já que Ben Ali, o ditador da Tunísia onde tudo começou está exilado em algum harém saudita, Khadafi foi esfolado vivo e arrastado no abrasante cascalho do deserto líbio e do país hoje ninguém mais sabe, os monarcas marroquinos estão com as barbas de molho, a Argélia, calejada pelas enfumades do tempo da colonização selvagem e predatória que a França lhe impôs, se recolhe nos altiplanos das montanhas Cabila, os egípcios engaiolaram o amaldiçoado Mubarak, morre-não-morre, (nem seu suposto pai Akénathon o quer por aquelas paragens do além), mas a situação dos coptas continua indefinida e a etnia oprimida, enfim, diante destes fatos o que dizer do destino da Síria e de seu jovem ditador Bashar al-Assad nascido na fatídica data ocidental de 11 de setembro de 1965?...
Aqui por estas bandas ocidentais quando se fala do oriente médio todos pensam imediatamente na situação palestina, no Hamas, no Hezbollah, no conflito com Israel que já é quase septuagenário, no petróleo saudita, na guerra civil do Líbano, nos aiatolás e suas esquisitices que não são árabes, são persas, assim como se fala muito sobre a fúria dos mujahidins talibãs cujos milhares de quilômetros que deles nos separam é uma benção, mas que também não são árabes, são afegãos, ou patchuns, e no Iraque, que hoje cata aqui e acolá pedaços de seu antigo turbante, fragmentos de suas babouches, farrapos de suas túnicas brancas e costuram um país-espantalho, cuja face andrajosa causa espécie, pois conhecemos muito pouco de seus trajes de gala escondidos pela mídia, exímia em expor um néo-orientalismo estereotipado e burro que não reflete além das imagens e desconhece o passado, gerando a repetição de erros deste no presente e pelas mentalidades. Longas frases combinam com grandes indignações. O fato é que a situação política no oriente médio é e sempre foi complexa e as reduções da mídia a transformam em um jogo de fanáticos e intolerantes, enquanto que a verdade destes povos transcende estas definições errôneas e simplistas, próprias da forma esdrúxula que o mundo ocidental descobriu para resumir o que lhe é desconhecido, logo, indiferente - Evoé, Edward Said... -, mas de comunicação inevitável, ainda que incompleta.
É raro ouvirmos notícias do mundo literário árabe, sobretudo o mundo das letras sírias. A língua é uma barreira rumo ao ocidente que os escritores do Magrebe transpuseram ao adotar o francês como um tipo de butim de guerra, segundo a excelente expressão argelina. Porém, o mundo sírio e sua literatura hoje fremem... As bombas e o crescente avanço da violência têm sido mais expressivos que a palavra poética, mas as brasas ardem sob as cinzas.
Onde estão os escritores sírios neste momento doloroso em que este fantástico país é avassalado por bombas angustiosas e inclementes unidas a promessa infame de armas químicas?
Um dos seus maiores autores é Adonis, pseudônimo de Ali Ahmed Said Esber (1930). Adonis é um dos maiores poetas árabes da atualidade, autor de 15 volumes de poesia. Traduzido em mais de trinta idiomas (inclusive em português, pela Cia das Letras, tradução de Michel Sleiman e apresentação de MIlton Hatoum), ele é o grande teórico do poema em prosa, renovou profundamente através de sua prática a literatura árabe contemporânea e acaba de receber o prestigioso Prêmio Goethe pelo conjunto de sua obra.







Adonis escreveu uma carta aberta ao presidente Bachar al-Assad, publicada no jornal libanês As-Safir, em 14 de junho de 2011, dois meses depois da revolta tunisiana, rompendo um grande silêncio das letras sírias, conforme o historiador libanês Abbas Baydoun que abriu uma polêmica nas colunas do mesmo jornal.
Em dez pontos Adonis convidava « o Sr. Presidente a colocar em prática as condições e os  princípios da democracia  [...] inevitável ainda que estranha ao patrimônio cultural árabe”. Ele insistia veementemente sobre a necessidade de separar a religião da política, e também o Estado do partido cujos objetivos foram desencaminhados ao longo do tempo.
Mais que o conteúdo desta carta, numerosos detratores de Adonis na imprensa árabe visaram a maneira pela qual ele se dirigia ao « presidente eleito » (Al-Assad sucedeu seu pai) assim como “depositar nele esperanças”. Em 6 de agosto de 2011, o poeta radicalizará e convidará o presidente sírio a pedir demissão...
Adonis com sua carta aberta coloca o dedo no nariz do dirigente em uma atitude corajosa e destemida que sua idade avançada (81 anos) isenta de maiores males.
Entrevistando Adonis, o jornalista Mohammed Chouïeb lhe perguntou: Poderá um dirigente político ler a carta de um poeta ou escutar seus conselhos? Ao que Adonis respondeu: Qual dirigente deixou de ouvir um poeta? (Leia a entrevista completa em http://bibliobs.nouvelobs.com/actualites/20110928.OBS1292/adonis-il-n-y-a-pas-eu-de-revolution-arabe.html).
E a Síria segue seu destino, entre muita bomba e pouca poesia, mas com a solidariedade daqueles que rezam pelo povo e torcem para que os tesouros da civilização que estão guardados naquele país sejam preservados da arrogância, da ganância e do ódio iconoclasta. Enfin, bref...
O Grupo Literatura Magrebina Francófona é um amigo que se solidariza com a Síria, seus poetas e seu povo nestes tempos de trevas. Mas as luzes sempre vencem a escuridão.
                                                                Cláudia Falluh Balduino Ferreira.
        
Assista aos excelentes vídeos com Adonis no México,  falando sobre literatura: "A poesia deve estar sempre ao lado do homem livre! " . Excelente entrevista. em:
Sobre o poeta e a primavera árabe. Muitíssimo bom, não perca em:
 http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=GFb_SHJwUyA

sábado, 21 de julho de 2012

Driss Chraibi: um passado nada simples.




Nascido em Mazagan, (1926-2007), Driss Chraibi foi um dos mais brilhantes escritores magrebinos.
Revoltado contra as tradições arcaicas do Magreb, ele se atira rumo ao mundo ocidental que breve lhe trará igualmente decepções e agruras. Assim, Driss Chraibi desenvolverá uma prosa ardente atirando tanto para o nascente de suas tradições, quanto ao poente da decadência ocidental. Qual destino para um homem deslocado no mundo? A literatura.

Com o romance Le passé simple o escritor marroquino Driss Chraibi nos introduz desde o princípio
"...au coeur de la famille du Seigneur, un potentat marocain. Cet homme tranche au nom d'Allah: tout lui est bon pour faire fructifier son imense fortune; la religion s'enseigne dans la peur du corps et dans la désolation de l'âme, les êtres ne vivent pas, ils se contentent d'exister aussi bien les enfants que leur mère". 

Esta breve citação está longe de ressaltar o sentido profundo e dar uma idéia da vida frenética do texto de Driss Chraibi. Discipulo confesso de Faulkner, do qual herda e coloca em prática a técnica da fissão da cronologia, Driss Chraibi possui um estilo violento, rude, ardente. Exímio criador das atmosferas sutis que envolvem a vida de seus personagens, tradutor da vida íntima dos seres e das cidades, do silencio da prece ou da miséria das massas, ele lê profundamente os meandros da vida marroquina oculta pelos mucharabis, pelos tabus e pela tradição. Chraibi tratará de expurgar a revolta contra a lei paterna e as tradições. Através do personagem Driss Ferdi, um adolescente frenético ele criticará a religião islâmica, que segundo ele não passa de hipocrisia e rituais. tudo isso expresso através de um estilo violento, nervoso, excessivo e quase obsceno.
Quando foi publicado, em 1954, este livro teve uma repercussão bombástica, tanto na França quanto no Marrocos que lutava pela independência. Imbuído de rara violência, ele projetava o romance magrebino de expressão francesa rumo aos temas maiores: o peso do islã, a condição feminina na sociedade árabe, a identidade cultural, o conflito de civilizações.

Le passé simple, romance mundialmente conhecido não está traduzido para o português...

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O Emir Abdelkader, um nome para não se esquecer.


                                                            

O Grupo de Estudos Literários Magrebinos Francófonos apresentou na Universidade de Brasília, no dia 5 de julho passado em colaboração com a Embaixada da Argélia, um Seminário comemorativo dos 50 anos da Independência da Argélia.
É pouco conhecida no Brasil a eminência da figura do Emir Abdelkader, considerado o fundador do moderno estado argelino. Pois durante este seminário de muita importância a memória do Emir foi celebrada com emoção e muitas surpresas.
Homem de guerra, mas também fin lettré, o Emir Abdelkader foi um líder que reuniu esferas especialíssimas da inteligência e da sensibilidade, da erudição e do misticismo: o Emir era também um filósofo, poeta, escritor e teólogo sufi, autor de livros, reflexões místicas e políticas, era dono de um humanismo irradiante, além de um líder magnânimo.
Todas estas qualidades surpreenderam o colonizador francês, contra o qual o Emir lutou durante 17 anos após a possessão das terras argelinas.
Rendido, o Emir será exilado pelos franceses de forma longa e sofrida e terminará seus dias em Damasco, em 1883.
Sua trajetória é imensa para esta minúscula página, todavia queremos saudá-lo nesta data do cinquentenário e que esta celebração sirva como estímulo aos pesquisadores em literatura  sobre a magnitude dos escritos deste homem conhecido mundialmente como o grande líder argelino, dono de uma tolerância e de uma inteligência privilegiadas.
O Emir Abdelkader certamente vive nos corações de todos os argelinos.

            Cláudia Falluh e o Embaixador da Argélia, Sr. Djamel-Eddine Bennaoum durante o Seminário.
            

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Quem tem medo de Azzedine Bounemeur?

Qual literatura argelina, para qual público e para qual editor? Literatura para quem, afinal?
Estas são as questões que podem inquietar mais de um leitor e com certeza afastar do seu público autores mais polêmicos e francamente comprometidos com a verdade, que nem sempre é agradável de ser ouvida. Libertadora para uns, ela pode ser motivo de reavivamento de fatos conturbadores, principalmente dentro do contexto que regeu a literatura argelina e seus relatos sobre a colonização e seus efeitos devastadores. Mas a verdade é irmã da memória...

Tal é o caso da polêmica que envolveu o escritor argelino Azzedine Bounemeur e sua longa história com os editores franceses.
Confessamos ter tido uma certa dificuldade de chegar até ele e sua obra, mas uma vez mergulhados no universo da sua prosa profíqua e pungente logo entendemos o porquê...
Nascido em 1947, ele se instala em um período atordoante e dramático da história argelina: o pós 2ª guerra mundial,  o período que precede a revolução armada, a guerra propriamente e suas inimagináveis tragédias, o período da independência e toda conturbada vida de desencontros e caos que se seguem. São estes acontecimentos que marcarão a história e a obra deste autor. Nâo é pouca coisa para uma consciência gerada na dor: a história é sua herança e a literatura seu inventariante.

Azzedine Bounemeur é autor de Bandits de l'Atlas (Gallimard, candidato ao Prix Goncourt em 1983), que abre um ciclo de romances seguidos por Les lions de la nuit e Atlas en feu'. O quarto volume do ciclo, Cette guerre qui ne dit pas son nom, (L'Harmattan) conduz o leitor a um esclarecimento violento, com verdades e cenas insuportáveis, sobre as atrocidades da guerra da Argélia. Pois bem, este romance foi motivo de uma discussão ferrenha e dura entre o autor e o editor, que culminou em com a ruptura, hoje sem retorno, entre as duas partes.  
O editor sugeriu vários "cortes" e supressão de capítulos inteiros. A crueza dos fatos envolvendo a administração colonial não era um bom prato ao público europeu. Enquanto as adequações estiveram no nível aceitável, o autor tolerou. Após um certo ponto, ele se recusou a 'retalhar' o livro, moldando-o ao gosto da casa editora, fato que conduziu à ruptura: nem o editor queria ser a tribuna de uma discussão vivamente anti-francesa, tampouco o autor estava disposto a abrir mão da verdade. O autor não faz nenhuma concessão: "Ni au mélo faussement patriotique et la langue de bois, ni au misérabilisme et la paranoïa sous-jacente au complexe du (dé) colonisé". Tremendo. 

Resultado: a obra de Azzedinne é pouco conhecida na Argélia, e na França e alhures ela encontra um eco restrito. O mesmo aconteceu com Mouloud Feraoun, que em 1950, foi obrigado a excluir 70 páginas do romance Le fils du pauvre, fato solicitado pelo seu editor na época, Le Puy.
Enquanto isso, na Disneylandia das livrarias mundiais entupidas de best-sellers do mundo inteiro, soam até a demência os cantos de sereia da alienação. Por outro lado, em um canto obscuro, autores nacionais se debatem, comendo com pouco sal e muito descaso página a página dos seus manuscritos aflitos em busca de editor... Será que alguém já ouviu falar nisso? Literatura à moda?

Excelente autor para ser traduzido no Brasil, para que com o comovente relato avivemos o cultivo da memória e consideremos os valores nacionais cunhados na experiência nem sempre cor-de-rosa.

Sugerimos as entrevistas e documentários sobre Azzedine Bounemeur em: