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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

sábado, 24 de agosto de 2013

Literatura síria mortificada pelas bombas. A violência como essência do humano.

Damasco, Bab Tuma.

Há quem diga que a violência é o cerne do humano. E tem razão. Pobre de quem duvida: será sua próxima vítima.
Essa violência alça graus tão intensos, a fúria encontra um eco de tal modo tonitruante dentro dos corações e das mentes que inflama as ambições, que por sua vez transformam-se em vapores de mercúrio e colam-se a todos sem exceção. As ambições e a cupidez, por sua vez, saem ao encontro dos altos-fornos da expressão violenta, a qual se vê refletida nas chamas saborosas da cobiça e da mentira e o resultado é o festim da ignomínia, regado a cálices ferventes de ódio, baixelas de maldade onde estão servidas crianças chamuscadas e finos guardanapos bordados a sangue civil. Está servido o banquete da injúria, ao som da orquestração vampiresca mundial onuesca que ignora verdades e aplaude mentiras, não sem salivar diante do butim que se oferece às ambições ancestrais que circundam sua vítima servida nos samovares da infelicidade: a própria Síria.

E se a violência está no cerne, ela exigirá sua vítima sacrificial, e é o que a Síria representa neste momento. Incrustada que está no seio do oriente médio ela surge como vítima expiatória, mas resta perguntar já sabendo a resposta, ( portanto está estabelecida a antinomia) a quem interessa?

Desviam-se os olhares da caldeirada fervente egípcia, à moda da casa, onde primavera e ditadores borbulham misturados às vísceras faraônicas  do desejo de dominação, e explode em um sem número e sem sentido para ocidente e oriente de expressões violentíssimas, envolvendo milhões de pessoas calcinadas pelo ódio e pela revolta, pela esculhambação e pela desorientação que parece reinar neste momento no Egito. Está servido a makluba da violência, acompanhada de bolinhos de falafel amassados pela mão dos ditadores revisitados, re-instalados e revividos. 

Porém a Síria e o que acontece por lá atualmente, apesar da ira e da fúria reinantes, destoa, e sempre destoou do contexto da primavera árabe, hoje, inferno árabe.

O paradoxo do ressurgimento da ditadura do Egito, da libertação de seu velhíssimo ditador dos cabelos negros como a asa da graúna, parece ser mais uma mancomunação de múmias em um formidável sabah. Ela não invalidaria a própria destituição de Assad, agora, já que destoa dos sentidos primeiros desta infame primavera?

Já a literatura síria, esta antiquíssima senhora, vestal onipresente apesar dos pesares, sempre foi uma literatura de resistência. Convido a todos a lerem a entrevista do poeta sírio  Adonis, em http://www.france24.com/fr/20130220-syrie-regime-baas-assad-poesie-adonis-opposition-revolution


Adonis, de son vrai nom Ali Ahmad Saïd Esber, déplore en outre que l’opposition soit si divisée et n’ait pas de projet pour le pays. Enfin, il dénonce l’influence des puissances étrangères sur le mouvement. "Je suis contre la destruction du pays que soutiennent certains pays arabes et européens, sans oublier Israël", affirme-t-il.
"J’appelle l’opposition à adopter un projet clair basé sur le principe de laïcité"
"Une vraie révolution porte le pays, embrasse le peuple. En Syrie, on ne voit que meurtres et destructions. Ceux qui se disent révolutionnaires détruisent aussi le pays", se désole le poète, longtemps exilé au Liban, qui vit en France depuis 1985. "Depuis 1956, je n’ai eu de cesse de me battre contre ce régime du parti unique qui, pour moi, s'apparente à une forme de religion, rappelle-t-il. Mais mon combat est toujours resté démocratique et non-violent", souligne-t-il encore.

O fato é que não se consegue nada, ou quase nada sobre estes escritores. Muitos estão exilados, mas não mudos.

É o caso de Khaled Khalifa que grita a altos brados: "o mundo inteiro é cúmplice deste sangue derramado"... Exageros à parte, o tom de revolta e aflição é presente na literatura e nos escritores, principalmente neste autor de "Eloge de la haine" (Elogio ao ódio). Ele diz em carta aberta.
"Chers amis, écrivains et journalistes du monde entier, notamment en Chine et en Russie, je tiens à vous informer que mon peuple est exposé à un génocide.
Depuis une semaine les forces du régime syrien intensifient les attaques contre les villes rebelles en particulier Homs, Zabadani, les banlieues de Damas, Rastan, Madaya, Wadi Barada, Figeh, Idlib et dans les villages de la montagne de Zawiya.
Depuis une semaine et jusqu’au moment où j’écris ces lignes, plus de mille martyrs sont tombés, dont beaucoup d’enfants, et des centaines de maisons ont été détruites sur les têtes de leurs habitants."
É isso, caros leitores, o desabafo e a tristeza desta que vos escreve diante das fatalidades que envolvem o mundo sírio. 
Para onde irão os cristãos sírios? Esta é outra história cruel de um trânsito e de uma diáspora milenar que parece não ter fim, entre povos irmãos e infinitamente intolerantes.
Brasília, 24 de agosto de 2013. Cláudia Falluh Balduino Ferreira.  
                                                                                                      

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Entrevistando Lahcène Moussaoui, poesia argelina entre a lucidez e o delírio lírico.





A poesia de Lahcène Moussaoui é composta na balança sábia da lucidez e às vezes oscila para o negrume do delírio, ainda que nele encontre  luz. Caminhei lenta e curiosamente pelas páginas destes "Dialogues d'un fou avec lui même", (Editions Casbah) para encontrar nada menos que euforias distintas diante do amor e gestos desesperados diante dos impostores que se apropriam do sonho. Depois, de um fôlego e atônita, reconheci Argel, a branca, amanhecendo às margens do Mediterrâneo, mergulhei em desertos explícitos e ternos, e sonhei à sombra de oásis que resplandecem nos areais sáfaros argelinos.   
O poeta é claro que o sentimento que colhe da alma alheia é comunhão de vividos, é comunhão do pathòs cruel  e manso que aflige o outro, mas que pode levar, em depuração, aos territórios da beleza :
                                                                            

Pour m'avoir laissé entrevoir                               
Les profondeurs de ton être,
Fait goûter la pureté de ton essence,
Tu m'as prémuni contre bien des aléas ;
Des leures nombreux qui minent le quotidien
Et les lumières artificielles des amours impasse.
En ta beauté imdomptable, éternelle,
J'ai appris la relativité des autres ;
Chacune, en sa magie et tous ses secrets,
ne traduit qu'un petit bout de la tienne. 

Esteta e perseverante na descrição da beleza, Moussaoui compara as formas presentes na obra de Oscar Niemeyer, seu amigo, com as irrupções das imagens obsessivas em sua poesia dos "rondeurs" femininos que nascem tanto da aventura do vento nas dunas que cercam seu oásis preferido, Taghit, onde nasceram estas poesias, como na força plácida dos volumes arquitetônicos que brotam  das linhas do arquiteto e ganham as cidades, transmutadas em luxuriantes formas capturadas do sonho e da realidade. Assim é também a poesia de Lahcène Moussaoui. Através dela erguemos os véus da realidade e penetramos na Casbah soberana mas também maternal, sábia, intuitiva, sofrida, porém transcendente, provedora e protetora, sítio ultra feminino.    

Dizem que as velhas medinas árabes são compostas por ruas que formam um labirinto ao olhar do visitante. Este se perde nos pequenos becos sem saída, no traçado do dédalo que obriga a tantas voltas e retornos. Deseja-se o mercado: encontra-se um bebedouro em faiança. Procura-se o artesão: encontra-se uma praça florida e ladrilhada. Mas quando artesão e mercado são encontrados, surge um brilho inigualável no olhar do visitante que então fruirá do que a arte dos metais e do comércio têm de melhor. Assim é a poesia árabe.
Porém, a  poesia de Lahcène Moussaoui é criada no espaço livre dos grandes desertos. É lírica nutrida pelo frescor íntimo dos oásis que surgem abruptos ao final de abismos, são setas acomodadas no côncavo das falésias do Saara, onde a água jamais cessou de jorrar. 

Os versos da poesia lahceniana são refrigérios ancestrais que há muito abandonaram o caos urbano, para se refugiarem no silêncio da água plácida de Tahgit:

C'est à Taghit,
Que j'ai retrouvé
Gravé en mon être,
Le velouté de ta peau;
En ces incessants mouvements; 
Dunes en perpetuelle naissance
Regénérescence.
Envoûtantes;
Capable de leurrer même le rêve
Pour mieux cacher,
Soustraire aux humains
Ses secrets. 








Ali eles encontram fôlego para dizer do infortúnio transformado em epifania,  fazer o inventário dos amores d'antan, vívidos na matéria ultra-feliz da memória,  versos do amor do passado que são cartilha para os amores inesperados da vida presente, ressoando em aliança nas formas exuberantes das dunas argelinas. Estes retornos e voltas para chegar ao âmago das coisas são a essência do espírito árabe, que levam ao conhecimento do complexo traçado que todas as semióticas ambicionariam explicar, desde o urbano até o sentimental, assim como a filosofia nos obriga ao retorno para conhecer a essência da verdade em seus argumentos de serenidade  pragmática, aliança entre o fato e o fazer.

Lahcène Moussaoui fez brilhante carreira como diplomata, Embaixador de Argélia no Brasil, na Tunísia e na Austrália, assim como Ministro em seu país, deputado e membro do governo argelino. Logo, o vigor de sua poesia surpreende, principalmente evocando a figura misteriosa do louco - contraste absoluto com sua trajetória de vida -, mas que por assim mesmo ter sido possibilitou esses dialogues frementes e sábios. Esta sapiência brota do reconhecimento da dor, da fragilidade, da agrura do seu próprio passado imerso em uma orfandade dolorosa surgida dos terrores da guerra da Argélia. O embaixador e o político não deixaram de dar lugar à voz deste a quem chama "fou" e que surge como poeta, como profeta, como asceta, como amante incontido, revelado, mas discreto, como o conselheiro, como observador do mundo e das vicissitudes da existência, como arauto da beleza infinita e ancestral da terra, da mulher e da vida.

Cláudia Falluh e o poeta  Lahcène Moussaoui

Convido a todos a acompanharem o vídeo com a entrevista que faço com o poeta. Nela falamos da convivência entre gerações, da natureza como força que rege o poema, da juventude e da maturidade, da aceitação do tempo, dos momentos de rupturas na vida, da independência da Argélia, dos traumas da guerra na poesia e nas vidas, das dores inscritas no inconsciente nacional, da superação, e muito mais. 

Esta entrevista foi realizada na residência do falecido Embaixador Lindolfo Collor, em Brasília, onde o poeta se hospeda, para o que agradecemos a hospitalidade e simpatia da Sra. Maria da Consolação Collor, que nos recebeu em meio a natureza e a arte! 

Enfim, leitor, deixo-vos a sós com o poeta para que, escutando-o livre de minha admirativa constatação, seja ainda mais límpida e proveitosa a leitura de sua poesia em todo o lirismo que ela comporta . 

Cláudia Falluh Balduino Ferreira
Brasília, 07 de agosto de 2013