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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Mohamed Choukri, ou um marroquino literalmente infernal.




A criança nascida no Rif, durante uma grande fome que assolava a região, em uma família pobre e numerosa, cujo pai criminoso e violento a submete à humilhação e à desonra os filhos e a mãe, se revolta e sofre. A criança foge aos 11 anos de idade para Tanger, abandonando o pai tirânico e assassino. Em Tanger vive em meio a violência das ruas, aos traficantes e prostitutas, ele próprio prostituído, sem lar nem família, sem eira nem beira, vagando na pobreza, contrabandista de ocasião e analfabeto até os 20 anos de idade. Porém, um encontro mudará sua sorte definitivamente, clareando a estrela obscura sob a qual nascera.
Não, não é o resumo de um romance: é a própria vida de Mohamed Choukri (1935-2003). Vida sofrida e aprofundada nos confins da marginalidade, ela própria condutora à indignidade e à vilania.
Um salto se dá aos 20 anos porém, quando aprende a ler e a escrever, tenta os estudos e começa a escrever suas memórias em árabe dialetal com uma franqueza absoluta que irá chocar por anos a fio os leitores menos avisados. Assim nasceu o romance Le pain nu.  

Sexo, drogas e Reggada.

Elevado ao sucesso internacional através da tradução de Paul Bowles, este romance autobiográfico será banido do Marrocos em 1982, e de outros países árabes por ser considerado escandalosamente imoral. Nele Choukri escreve com crueza e precisão sobre o sexo,  drogas, prostituição, copulação com mulheres encontradas ao acaso, homosexualidade e mais. Só em 2000 a censura ao livro cai e ele retorna ao Marrocos. Mohamed Choukri dessacraliza pai e sociedade em suas obras onde a pobreza é vivida como uma degradação, uma corrupção, um castigo. Diferentemente da obra do egipcio Taha Hussein, na trilogia Os dias, em que a pobreza é vivida como uma condição honrada e submissa aos designios de Deus, Mohamed Choukri explode sem pestanejar tabus, tradições e hipocrisias.
As obras principais de Choukri são, Le pain nu, traduzido para o português, Les temps de l'erreur, La tente, Jean Genet et Tenessee Williams à Tanger, Jean Genet à Tanger, Jean Genet, suite et fin, Paul Bowles, le reclus de Tanger, Zoco Chico , Visages, Le fou des roses.
Fato interessante é a obra começar com a crueza de Le pain nu e terminar com a suavidade da paixão pelas rosas, como se a trajetória da vida fosse uma acensão ao paraíso e ao misticismo que as rosas representam e de quem foram inspiradoras. Ao leitor buscar saber se é isso mesmo...


E para suavizar o tema, um pouco de música: o sírio Abed Azrie canta os célebres versos do místico Ibn Arabe, O amor é minha religião: http://www.youtube.com/watch?v=SLiluJYLlYM . Suavidade... suavidade... é o que precisamos na vida...