Junto
com um parente, um jovem deixa o vilarejo e parte à procura dos restos mortais
de seu irmão mais velho, morto em combate durante a guerra de Libertação na
Argélia. É a primeira vez que ele sai de sua montanha Kabile. Diante dele desvela-se o mundo violento dos
adultos, em uma sociedade em mutação que passa da dominação colonial à
soberania nacional. Ele encontra os despojos, porém isso não lhe confere alívio, tampouco o livra da angústia. Ao contrário outras questões surgem: porque levá-lo de
volta e enterrá-lo naquele vilarejo que ele sempre odiara?
Este é o tema do livro Les chercheurs d’os, (Os campeadores de ossos, trad. livre) (Seuil, 1984, sem
tradução para o português) do escritor argelino Tahar Djaout (1954-1993), e
que o Grupo de Estudos Literários Magrebinos quer apresentar ao público
brasileiro.
Esta obra singular de
Djaout, assassinado em 1993, ainda que absolutamente impregnada dos sentidos
políticos que emanam da história argelina é, antes, e primordialmente, uma
porta de entrada aos misteriosos e instigantes temas derivados do sagrado. A busca
que se desvela empreendida pelo herói é uma busca sagrada. Busca esta que nos remete à Odisséia, à busca de
Telêmaco pelo pai desaparecido e que afirma ao sair de seu país para buscá-lo: “Se não encontrá-lo construir-lhe-ei um
cenotáfio e a ele celebrarei as exéquias fúnebres.”
Para os gregos antigos,
um cenotáfio correspondia a uma crença precisa: quando um morto não tinha sido
regularmente sepultado, não podia atravessar o Estígio e gozar do descanso
eterno. Assim nasceu o costume de erigir um túmulo vazio àqueles cujo corpo não
fora possível encontrar. Um cenotáfio é o que mais tarde se chamou em Roma um Tumulus honorarius.
Tahar Djaout lança-nos
a rede mágica da história, o lume de seus personagens magníficos e suas árduas
tarefas. Dentro da história do adolescente em busca do
irmão está contida uma gota preciosa da história humana, mesclada de misticismo
e de sistemas que nos conduzem à sacralidade desta busca. Este tema reproduz as
pegadas do passado, daqueles que estão engajados na busca dolorosa pelos seus
entes que sabem desaparecidos. Neste aspecto, a obra de Djaout é ao mesmo tempo
antiga e moderna. Ela está instalada na balança da história, que repete seus
erros e dramas ao longo do tempo e sobre o dorso da raça humana sofredora e
ansiosa, esperançosa, ainda que impermanente.
A obra de Djaout está
em paralelo com a atualidade brasileira, em que os arquivos da ditadura serão
abertos e surgirão muitas possibilidades de descobrir sob as camadas de cal e
cinzas os que se foram sem terem ido realmente, porque insepultos, mas não esquecidos, portanto vivos em um outro plano.
Este Grupo de Estudos quer trazer à tona a obra de Tahar Djaout, não apenas em sua dimensão política, mas fazendo um aceno ao estudo dos conteúdos do sagrado que ela faz vibrar em seu corpo literário, envolto por luz e palavras.
Uma sugestão aos os leitores: que leiam à luz do sagrado, para que o texto se eleve das cinzas.
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