Conheça-nos.

Minha foto
Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Abdelkebir Khatibi. Entre a arte e a poesia


Abdelkébir Khatibi (1938-2009) nascido em El Jadida, sul marroquino, é um dos grandes nomes da literatura marroquina. Mas isso é dizer pouco. Frequentando os territórios da arte e da literatura, é inegável que a aliança que entre ambas estabelece é fundamentada na profunda consciência dos estados humanos da criação artística. Autor de obra imensa, Khatibi é caudaloso, e ao mesmo tempo trafega fluido e algo místico sobre a visão da arte caligráfica árabe, dela extraindo a quintessência.
A arte de escrever para Khatibi explora o vascularizado território do signo, seguindo estreitamente seus meandros, não o deixando escapar pela via da lógica pura, mas alcançando-o ao final, sem sair do signo e refletindo sob sua subjetividade transcendental, autônoma e geradora de sentidos maiores no corpo da literatura. Assim, a arte caligráfica árabe aprofundada pelas reflexões de Khatibianas em suas minuciosas explorações de estilos e tipos está intimamente relacionada com o fazer literário, especialmente a composição poética e romanesca. Esta, herdeira de tantos modos de apreensão visual do mundo, sobretudo aquele impresso pela caligrafia, em tantas infinitas superfícies do mundo árabe, resolve e é expressa sobretudo através dos espaços da prática espiritual.




Seu primeiro romance La mémoire tatouée (1971) é autobiográfico e nele o escritor marroquino  narra  sua experiência da ruptura entre o Ocidente e o Oriente, entravado por proibições milenares trás um questionamento que se refletirá na multiplicidade de sua obra. Entre ensaios, romances, poemas, obras de filosofia, de sociologia, a dupla problemática do nome e do indivíduo é um tema constante, articulado de diferentes formas conforme o gênero. Sua obra, que muitas vezes parece  inacessível, segue, na verdade, uma tragetória lógica, colocando a questão do ser a través do destino irreprimível de uma origem dupla.
Khatibi quer compreender o outro a partir de si próprio, através da dialética da identidade e da diferença, à moda de Barthes: a relação entre a natureza e o espírito se resolve através do símbolo.
Dentro do sistema islâmico onde a encarnação não tem lugar, há necessariamente uma animação das coisas e dos signos mais imediatos, como a caligrafia, a tatuagem. As relações só podem ser simbólicas.
Segue uma lista de obras deste fecundo autor.
  • La Blessure du nom propre, essai, Paris, Denoël, coll. Lettres Nouvelles, 1974 et 1986.
  • Vomito blanco (Le sionisme et la conscience malheureuse), essai, Coll. 10/18, 1974.
  • Le Lutteur de classe à la manière taoïste, poésie, Paris, Sindbad,1976.
  • Le Livre du sang, roman, Paris, Gallimard, 1979 et 1986.
  • Le Prophète voilé, pièce de théâtre, Paris, L’Harmattan, 1979.
  • Le Roman maghrébin, essai, Paris, Maspéro, 1968, rééd. Rabat,SMER, 1979.
  • De la mille et troisième nuit, essai, Rabat, SMER, 1980, rééd. dans Ombres japonaises.
  • Amour bilingue, récit, Montpellier, Fata Morgana, 1983.
  • Maghreb pluriel, essai, Paris, Denoël, 1983.
  • Le même livre, Correspondance avec J. Hassoun, Paris, Éditions de l’Éclat, 1985.
  • Du bilinguisme, Collectif, essai, Paris, Denoël, 1985.
  • Dédicace à l’année qui vient poésie, Montpellier, Fata Morgana, 1986.
  • Figures de l’étranger (dans la littérature française), essai, Paris, Denoël, 1987.
  • Par-dessus l'épaule, essai, Paris, Aubier, 1988.
  • Paradoxes du sionisme, essai, Rabat, Al Kalam, 1989.
  • Un été à Stockholm, roman, Paris, Flammarion, 1990.
  • Penser le Maghreb, essai, Rabat, SMER, 1993.
  • Triptyque de Rabat, roman, Paris, Noël Blandin, 1994.
  • L'Art calligraphique de l'islam, avec Mohamed Sijelmassi, essai, Paris, Gallimard, 1994.
  • Du signe à l'image, avec Ali Amahan, livre d'art sur le tapis marocain, Casablanca/Milan, Lak International, 1995.
  • Civilisation marocaine, sous dir. de Mohamed Sijelmassi essai, Arles, Actes Sud, et Casablan,ca, Editions Oum, 1996.
  • L'Alternance et les partis politiques, essai, Casablanca, Eddif, 1999.
  • La Langue de l'autre, essai, New York, Les Mains secrètes, 1999.
  • Vœu de silence, essai, Paris, Al Manar, 2000.
  • L'Art contemporain arabe, essai, Paris, Al Manar, 2001.
  • Le Corps oriental, essai, Paris, Hazan, 2002.
  • Pèlerinage d'un artiste amoureux, roman, Paris, Éditions du Rocher, 2003, Poche, Le Serpent à plumes, coll. Motifs, 2006.
  • Aimance, poésie, Paris, AL Manar, 2004.
  • Féerie et dissidence, collectif, Rabat, Institut Univ. de recherche scientifique, 2003.
  • Correspondance ouverte, avec G. EL Khayat, Rabat, Marsam, 2004.
  • Féerie d'un mutant, récit, La Serpent à plumes, 2005.
  • Quatuor poétique, essai, Paris, Al Manar, 2006.
  • Oeuvres de Abdelkébir Khatibi, Tome I : Romans et récits, Tome II: Poésie de l'Aimance, Tome III: Essais, Paris, Editions de La Différence, 2008.
  • Le scribe et son ombre, Paris, Éditions de La Différence, 2008.

 

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Escritores beur: quem são e de que falam? Tassadit Imache.

   Beur é o nome que dado na França aos filhos de imigrantes magrebinos. A origem e o significado deste nome é objetivo de polêmicas e controvérsias. Leila Sebbar dirá francamente: "Je ne comprends pas le sens de ce mot..."  A maior  parte dos autores beur são então nascidos na França, filhos de imigrantes argelinos ou marroquinos, ou então ali chegaram ainca criança, aos 10 anos de idade. Se pudermos estabelecer uma geração diríamos que são nascidos entre 1950-1960.
As obras destes autores tem como fundamento denunciar  a divisão tumultuada em que vivem. Dividios entre uma crise de identidade e uma crise cultural, eles tentam relatar este desmantelamento para poder melhor exorcizá-lo dentro de uma sociedade onde as dissonâncias culturais são flagrantes sobretudo na troca pessoal entre franceses e imigrantes e seus descendentes.
Os romances beur são na maioria textos autobiográficos em sua origem. Philippe Lejeune dirá que a autobiografia é por definição um gênero aberto e interminável. Assim o é, o procedimento autobiográfico beur, que quando daí escapa, cai na narrativa de fatos ocorridos a parentes ou amigos em conflito com a sociedade francesa. Mas a prática lierária não é uma fuga de gênero a outro, ainda que a conduta de vida desses jovens fihos de imigrantes de certa forma seja um pêndulo que oscila entre a história e a tradição familiar e a realidade da vida na França, onde são todo o tempo lembrados de sua frágil estabilidade marcada pela lei e pela própria ação da sociedade, onde nunca estão realmente tranquilos.
São muitos os nomes desta geração de escritores: Tassadit Imache: Une fille sans hisroire  Calmann-Lévy, 1989), Leila Houari: Zeida de nulle part, (Harmattan, 1985), Azouz Begag Béni: Le paradis privé (Seuil, 1983), Mehdi Charef: Le thé au harem d'Archi Ahmed, (Mercure de France, 1983) Mehdi Lallaoui:  Les Beurs de Seine (Arcantére, 1986). Entre outros como Paul Smaïl, Loubna Méliane, Minna Sif e Akli Tadjer. Nenhum deles traduzido para o português.


Queremos falar de Tassadit Imache, uma das vozes expressivas desta geração.
Tassadit Imache est née en 1958 à Argenteuil.
Elle est l'auteur de quatre romans : Une fille sans histoire (Calmann-Lévy, 1989), Le Dromadaire de Bonaparte (Actes Sud, 1995) et Je veux rentrer (Actes Sud, 1998)Presque un frère (Actes Sud, 2000).
Elle vit et travaille en région parisienne.
Tassadit Imache présente Presque un frère, son quatrième roman, comme un " conte du temps présent "Elle fixe du même coup la mesure de son ambition : s'arracher de l'anecdotique, se détourner du nouveau pittoresque en train de faire fureur, élargir les histoires ici racontées à un plus vaste sens. C'est aussi pourquoi le lieu de ces récits s'appelle les Terrains, en une métaphore de ces quartiers de banlieue qui offrent leurs territoires à des tragédies d'aujourd'hui. Avec des héros pris dans les rets d'une fatalité, à l'instar des figures de la tradition classique, mais tellement frappés par le déprimisme ambiant qu'ils ne peuvent tout simplement pas élever les drames de leur vie à la hauteur d'un destin. Il y a là une manière neuve, à la fois profonde et sans concession, d'aborder ce thème de la banlieue, à cent coudées au-dessus des ouvrettes à dominantes ethnographiques ou socio linguistiques. in:http://www.alalettre.com/auteurs-contemporains-gi.php

domingo, 22 de abril de 2012

Mohammed Khair-Eddine, anjo mau da literatura marroquina?


Astro maléfico ou arauto do inferno? A verdade é que o marroquino Mohamed Khair-Eddine (1941-1995)  explode em ira incontida em uma sequência rica de romances-poemas, marcados com o selo da revolta e da ruptura. Sua obra é o percurso de uma libertação individual, testemunhando entre outros, os conflitos através dos quais o Marrocos independente procura seu rosto, e sua identidade. Não sem fúria, imprescindível à liberdade. Se há  busca de liberdade, é porque há algo está contido, curtido na mudez da repressão, no silêncio das intempéries espirituais onde o eu se dissolve na impossibilidade. Khair-Eddine é daqueles que consegue com raridade unir o propósito estético e a intuição política em uma poesia de ânimo incandescente onde brilha uma beleza selvagem e crepuscular. Suas obras são constatações-reportagens, diálogos de teatro e giclées surrealistas organizadas em uma partitura polifônica onde a ivnestigação mitopoética se encarrega de conceder uma dimensão incantatória.
O texto abaixo extraído do romance Agadir, é um momento de abandono. O autor abandona o mundo as coisas do mundo, a história, o país,  abandono enfim, de um mundo caduco e superado, que não dá mais resposta a um eu evoluído e sobretudo sincero. Agadir é um alçar frenético ao au-délà da percepção. Neste romance o homem não vê espaço para nada que não seja autêntico. Seu corpo e a espacialidade de seu corpo requisita a cada página um novo jeito de sentir o mundo. Não somente o cor po físico , mas o corpo enquanto um elemento sujeito a outro mundo a coordenar e a compreender.


" De nouveau ma demeure. Les murs sont couverts de longues taches d'encre noire. Je vous dis que je n'ai pas bougé d'ici, Je ne sais pas comment c'est arrívé. Que suis-je allé faire chez les rois? À vrai dre, je ne connais pas l'histoire. Ni la mienne ni celle de mon pays. Peut-être ai-je une histoire, Je ne sais pas. Il est possible que j'en aie une à moi. Cette ville aussi doit en avoir une. A peu près comme la mienne. Pas tout à fait. Non, pas même comme la mienne. Alors je vous dis que l'histoire n'existe pas. On l'a fabriquée suivant une chronologie plus au moins juste. On a mis en relief des événéments. Et on a nommé ça l'Histoire. On a certainement bien fait les choses. Mais on s'est trompé sur les choses qu'on a ainsi groupées.
(...)
Et je suis parti,  j'ai déserté mes fonctions Je me suis en quelque sorte effacé pour me défier On ne peut pas s'entendre avec le Temps On ne peut même pas s'entendre avec soi. Mais on continue d'errer de forer On se fore On est trop dur On est comme les moutons qui se battent La seule différence c'est qu'on se bat avec soi-même avec son fantôme C'est donc moi mon rival Je suis allé trop loin Pour rien Une ruine voilà ce que je suis devenu C'est même ce que j'ai toujours été Je fuirai mon assassin présumé futur le militaire je sais... Je leur raconterai des choses belles et fausses à propos de la vie que j'ai menée ici M'imposer par des faussetés quoi, je serai considéré grâce à mes mensonges. Je partirai un point c'est tout. Je suis déjè parti. Je n'ai même plus besoin d'une valise. Tout ce qu'une valise renferme pourrait nuire. Il faut bâtir sur du vide voilà. Ne rien garder du passé... passé... mauvais; sinon un souvenir si possible mais réinventé passé aux couleurs d'une nouvelle vision. et partant sain neuf... Je partirai avec un poème dans ma poche, ça suffit. Je t'aime, départ, brassé d'yeux s'ouvrant lentement dans l'aube, je ne chanterai plus, je n'ai jamais chanté. Je ne ferai plus le plan qui soit en fonction de ma mort; je construirai un beau rire d'égouttant des rosées ancestrales. Plus d'éclipses. je vais dans un pays de joie jeune et rutilante, loin de ces cadavres. Ainsi me voilà nu simple ailleurs."

sábado, 14 de abril de 2012

Rachid Boudjedra: L'insolation. O êxtase pela iridescência iconoclasta. L'extase par l'iridescence iconoclaste.


Se o iconoclasmo entre os antigos significava - e significa ainda etimologicamente -, "ação de quebrar", e entre estes mesmos antigos  (recuemos, caros leitores,  até o nascimento do islã), a força etimológica era idêntica à mesma força física que quebrou, derrubou, dilapidou e destituiu os ícones considerados como objetos de adoração entre várias religiões que o islã  não tolerou, a palavra evoluiu, contudo, e o sentido também. Para o bem da arte antiga e moderna,  "y compris" a literatura.
Saltemos pois, leitores atletas, para adiante, rumo à modernidade aflitiva da literatura. O termo iconoclasmo migra para o universo literário, emprestado primeiramente do vocabulário da história das religiões, trazendo nos ombros a carga ansiosa de escritores ligados a um profundo desejo de contestação e repúdio ao que justamente se revela como a fonte primeira dos males, síncopes, atavismos e hipocrisias de uma certa sociedade.
Assim o iconoclasmo se revela dentro da literatura magrebina como o deslocamento de uma noção profundamente islâmica dirigida através da arte e da literatura, justamente e entre outros... ao islã.


Para mim uma das maiores vozes iconoclastas desta literatura é Rachid Boudjedra. Este mesmo espaço que já o saudou uma vez retoma sua obra fecunda e proteiforme e quer agora colocar em evidência um de seus romances capitais "L'insolation", como sendo a vitrine da virulência e da arte da palavra que lança os estilhaços iconoclastas diretamente na avidez do leitor. Este quer reagir à agressão (géneralisée...) mas é seduzido por ela, porque por detrás da força verbal com a qual Boudjedra ataca, escondem-se as fagulhas, as milhares de fulgentes e irradiantes fagulhas que envolvem este mesmo leitor, antes pronto a reagir com um manto luminoso da palavra que agrupa todos os sóis (in-sol), agora levado ao espaço mudo da contemplação textual, texto que se faz visão, alucinação, miragem.
Assim vemos o iconoclasmo Boudjedriano: estilhaços de palavras-sóis, retiradas da  experiência do homem que explode mundos ignotos e banais pela palavra e os transforma em atmosferas romanescas de uma iridescência cruel e bela, que a todos nós impregna e convida ao êxtase.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Os nascimentos misteriosos no romance de Tahar Ben Jelloun. Mito e sagrado em simbiose.

É claro que é inquietante e curiosa a presença nos romances de Tahar Ben Jelloun dos diversos nascimentos misteriosos ou terríveis. Nascimentos que atingem como um raio à comunidade que cerca o recém-nascido: família, amigos, vizinhança.  Nascimentos que comunicam tempos ruins, má sorte, que caem como maldições sobre o grupo. Os recém-nascidos são comumente, no berçário bizarro de Ben Jelloun, recebidos por mães que esconderão o rosto e selarão os ouvidos por anos a fio diante das circunstâncias, por pais que baterão no peito e gritarão sua má estrela diante do desígnio representado pela criança, por uma comunidade que receberá os respingos desta que, indiferente à calamidade que sua frágil presença representa, vage no berço à espera dos dias em que cumprirá sua sorte. Ela crescerá dentro dos romances munida de todas as circunvoluções que a narrativa lhe trará, causando espécie, espanto, no mundo ao redor. Falo de Ahmed, (L’enfant de sable). Falo de Zina (La nuit de l’erreur).


            É preciso recuar para ouvir as fontes arcaicas e entender uma parte do maktoub inculcado pelo autor aos seus personagens. E recuando convido o leitor que ainda não abandonou esta leitura estranha, a buscar na antiguidade os traços explicativos dessas crianças presentes na obra deste que é um dos mais representativos autores magrebinos.

            A sorte de Édipo foi ser abandonado pelo pai, ouvinte atônito de um vaticínio tremendo. Quem são e qual a sorte das crianças de Tebas, que o coro de Oedipe-Roi apresenta como expostas e abandonadas? São crianças que representariam flagelos enviados pelos deuses dentre os quais, a esterilidade em todos os sentidos, sobre a terra e sobre os homens, seria o pior.

            O romance benjelouniano retoma estes aspectos de forma brutal e algo misógina: as crianças desejadas e malditas são sempre meninas. Pobres meninas de quem a sorte se absteve de beijar a fronte ao nascerem. E então encontramos em Ahmed, menina que passa a vida como um homem para satisfazer a ânsia de um pai obcecado por um herdeiro. Assim encontramos Zina, de quem o autor dirá: “Je fus conçue la Nuit de l’Erreur, la nuit sans amour. Je suis le fruit de cette violence faite au temps, porteuse d'un destin qu n’aurait jamais dû être le mien ».

            Buscar na antiguidade clássica, nos mitos e temas arcaicos a matéria elucidativa dos romances de Ben Jelloun é um caminho especialmente desafiador e instigante. Sugiro ao leitor esta via, a qual aliada ao religioso e ao sagrado concebe infinitas ramagens. As origens muçulmanas do autor ditarão um caminho paralelo ao mito, mas também bastante convidativo. Porém é preciso muita luz, para não se deixar seduzir pelas sombras de um texto que esconde a mulher em trevas quase absolutas.

Boa pesquisa, caro leitor, não deixe que a chama se apague...

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Redesenhando a crise através da luz da espiritualidade e da poesia.




                                                     Cláudia Falluh Balduino. 
          
Nestes tempos de seca espiritual, em que a evocação do divino e de sua infinita gama de iluminações possíveis são constantemente refutadas pelo espírito moderno que tende a recuar diante do divinal em favor do rigor e das inegáveis (contudo novas)  evidências técnicas e materiais, é necessário fazer apelo à expressão verdadeira do indivíduo profundo, à personalidade franca e legítima, autêntica e, assim, espiritualizada, para dizer do sublime. Mas é preciso coragem.
São estas marcas que definirão o pesquisador em literatura e, no dizer de Jakobson, em outras ciências do homem: ele agirá e produzirá sem peias vindas dos espaços da crítica materialista ou atéia que se torna, hélas, símbolo de razão. Penso então no racionalismo profundamente cristão de Descartes, ou na lucidez do ceticismo místico de Al Ghazali, porque este é um espaço que abraça amorosa e admirativamente as culturas árabes. Tampouco está, este Homem/pesquisador, ligado a imposições sociais que segregam conforme o grau de envolvimento com o inexplicável eterno-etéreo, ao mesmo tempo cativante porque diviniza o humano, mas irritante, para outros, porque não  responde no exato momento egótico das mentalidades em carência de respostas. A resposta não é tudo, porque é incerta. Caminhar rumo às respostas é  quase tudo.

"Audiatur et tertia pars".

Esses espaços são - entre outros, e para seguir a modernidade -, os Blogs culturais - e este blog quer ser este espaço -,  e os grupos acadêmicos de pesquisa. E principalmente este Grupo de Estudos Literários Magrebinos Francófonos. Como sítio independente que somos, convidamos à troca de experiências sobre a revelação da espiritualidade nas obras literárias, sua intensidade nos escritos que atravessam os tempos, sua etérea conformação através dos elementos simbólicos e místicos, sagrados e espirituais que deram origem a textos que têm surpreendido com doses de existencialismo teológico, ortodoxias psicologicamente amplas, iconoclasmos poéticos fulcrais, refutando com a força da palavra, à moda filosófica (Evoé, Hegel!) o poderio ideológico e político de Estados em que o homem é reduzido aos números do sistema, da colônia, do regime, das autocracias empobrecedoras do religioso, este religioso que vive sob o véu do inconsciente mais convictamente ateu (Evoé! Jung!).
Mas é preciso que o outro seja ouvido. Este outro na forma dos intérpretes, dos estudiosos da literatura de inspiração espiritualista, de universalidade ecumênica, na busca dos óleos com os quais ungiremos os benefícios culturais da reflexão sobre os gêneros literários que nos interessam, e das águas de libação do pensamento profano ou sagrado. Acredito que quanto mais um símbolo é rude, mais é saboroso e sapiencial. Da rudeza  e da suavidade dos óleos e das águas em que o espiritual imerge, emerge a literatura.
Está aberto o tempo de literatura e espiritualidade no Blog Literatura Magrebina Francófona. Neste tempo contemplaremos expressões espirituais em literatura magrebina francófona, sem restrições outras que aquelas que nos levariam para fora da literatura. Sem anátemas, contudo, mas com profunda inclusão das luzes originárias do Christos Anesti, ou seja: liberdade e renovação. 

domingo, 1 de abril de 2012

Jean Amrouche: uma estrela secreta.



"J'ai respiré la chair du monde et le monde dansait en moi, j'étais à l'unisson de la sève, à l'unisson des eaux courantes, de la respiration de la mer. J'étais plein du rêve des plantes, des collines ensommeillées comme des femmes après l'amour."

Há 50 anos, em 16 de abril de 1962, a Argélia e o mundo das letras perdia uma de suas maiores vozes, o escritor, poeta, jornalista, ensaista Jean Amrouche.
Podemos hoje,  como curiosos e admiradores que somos desta literatura argelina exuberante e riquíssima, encontrar Jean Amrouche através da manifestação de sua obra múltipla, ou em testemunhos e entrevistas circunstanciais de seus numerosos amigos (François Mauriac, André Gide, Kateb Yacine, Ferhat Abbas, Jules Roy, Marcel Reguy...).
Podemos encontrá-lo em seu Journal, testemunho capital, caudaloso de impressões sobre seu tempo e sua vida.
Podemos encontrar Jean Amrouche sobretudo em sua impressionante tradução dos Chants berbères de Kabylie, que prolonga a reflexão sobre o patrimônio cultural argelino.


 Poesia de tradição oral, ele a recebe de sua mãe e a verte para o francês com a ajuda da irmã Taos Amrouche, estes cantos profundos e ancestrais, cuja riqueza certamente se perderia se não fosse o trabalho da família Amrouche em trabalhá-lo e restituí-lo para a fruição da modernidade, estes cantos antiquíssimos . Segue para o leitor um desses poemas, sobre o sentido etimológico profundo da palavra Simpatia: sofrer junto....

Chant de l'exil.

J'ai dit ma peine à qui n'a pas souffert
et il s'est ri de moi. J'ai dit ma peine à qui a souffert,
Et il s'est penché vers moi.
Ses larmes ont coulé avant mes larmes.
Il avait le coeur blessé.
J'ai versé tand de pleurs et vous n'avez pas pleuré...
J'ai compri: je vous suis étranger.
J'ai plongé dans la mer à la nage:
Le vent du nord s'avançait vers moi,
Le brouillart engoutit les rochers...
O, si vous avez des yeux,
que vos yeux s'emplissent de larmes!

Mas é na poesia mística, sobretudo em Cendres e Etoile secrète, poemas da ruptura, da solidão e do exílio, que o encontraremos em sua plenitude, na força luminosa de sua inteligência, sincero e dorido,  lírico, recôndito e místico, este homem que dizia em L'éternel Jugurtha que "tout magrehébin est un poète de naissance et toujours predestiné à l'appel mystique". Ei-lo transcendente, vivenciando a experiência do sensível, revivendo as ressonâncias místicas de Milosz e Ungaretti, retraçando vivências que passam pelo mundo sensível dos elementos: água, terra, fogo, ar... Atravessando a carne e o sangue que, "devenus cendres s'éparpillent à leur tour dans les clartés stellaires et solaires pour participer au renouvellement de la parole, au rythme cosmique, entre Dieu et l'homme."

Tout meurt.
Tout se dissout
Pour que naisse la Vie.
Toute image de nous est image de mort.
Mait aussi toute mort est un gage de Vie.

Ombres flottantes sur clarté diffuse
Faibles lueurs sur la nuit épaisse
Par les regards trop stricts des hommes
Qui cherchent à resoudre l'énigme de leur coeur
Salve nocturne de l'âme
Où les faisceaux du soleil s'épuisent
Replié sur moi-même je cherche
Le rayon promordial
Comme une clef des songes".

Segem vídeos com o autor.

http://www.youtube.com/watch?v=kQEDjLXcdh8