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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Victor Hugo e a colonização da Argélia no século XIX.

A Universidade de Brasília comemorou dias 28, 29 e 30 de agosto os 210 anos do escritor Victor Hugo em um evento intitulado 210 HugoAnos.

A ocasião reuniu pesquisadores internacionais do grande gênio francês, como Arnaud Laster e Danielle Gasiglia-Laster (França), Maxime Prévost (Canadá) e Delphine Glaise (França) e nacionais como Bárbara Freitag-Rouanet, Hermenegildo Bastos, Elga Laborde, Marcos Moreira, Augusto Rodrigues, Edvaldo Bergamo, Piero Eyben, Sidney Barbosa e Cláudia Falluh Balduino, todos professores e ex-professores da UnB. Em um clima de muita troca, descobertas e sobretudo interações multidisciplinares, Victor Hugo foi relido e revisitado à luz da arte pictórica,  da crítica literária, da história, gerando debates e renovando a fascinação exercida pelo criador do célebre Corcunda de Notre Dame, que atravessa o tempo!



Este ano de 2012 é ano de jubileus extraordinários que se convergem de forma muito rica no espaço universitário brasiliense: a Universidade de Brasília, especialmente o Instituto de Letras comemoram 50 anos, a Argélia celebra o cinquentenário de sua independência, o romance Os miseráveis comemora 150 anos de sua edição, e  de Victor Hugo os 210 anos de nascimento. São números que nos informam que o tempo passa (ou nous passons...) mas que é fundamental comemorarmos, renovando os homens, a memória e fortalecendo e estimulando as novas gerações com o legado do passado! Estas comemorações encontram uma ultra-sonoridade entre nós da Universidade de Brasília.
Cláudia Falluh e Bárbara Freitag-Rouanet nos 210 HugoAnos.

O grupo de pesquisa Estudos Literários Magrebinos Francófonos esteve presente representado pela professora Cláudia Falluh Balduino que apresentou a conferência Victor Hugo e a colonização da Argélia.

Nascido em 1802, Victor Hugo acompanhou toda a movimentação do império francês pelas paragens africanas do norte e a tomada de Argélia em 1830. Manifestou-se de forma velada sobre a questão argelina, jamais tendo escrito um artigo específico ou uma obra sobre o assunto, mas colecionou em seus Carnets, ou em Choses vues notas relevantes e apontamentos. Entusiasmado em levar a civilização à barbárie de Africa, como foi assim denotado, Hugo contudo se afasta definitivamente do tema ao perceber  dominação ignóbil e predatória do exército francês sobre a Argélia. Afasta-se ainda mais ao constatar a traição da França de Louis-Philippe ao Emir Abdelkader: ao invés de libertá-lo com a rendição, conforme o prometido, a França captura e confina o Emir na França e o faz amargar anos de exílio, durante o qual falece em Damasco, sem jamais retornar ao seu país natal. Victor Hugo e Abdelkhader tinham quase a mesma idade, sendo o Emir seis anos mais novo que o escritor.
E interessante refletir sobre a trajetória destes dois homens, líderes, cada qual, do universo a que pertenciam: Victor Hugo, na literatura de seu tempo, gerindo e criando mundos e personagens diversos em uma malha em que o imaginário mesclava-se à realidade e o Emir Abdelkhader, não somente o líder da resistência argelina, mas líder de todo um povo que conseguiu conscientizar de seu valor e de seus direitos face à invasão francesa e que ecoou mais tarde, durante a colonização predatória e desumana que lhe fora imposta e durante as guerras da independência. O lider morreu em pleno processo de tomada de posse de seu país. Seus objetivos e meios estavam longe da imaginação hugoana e consistiam em propósitos honrosos, dignos, patrióticos e elevados para fazer de seu país um mundo que ingressasse nas estruturas do século XIX que incluiam a revolução industrial e o progresso. Infelizmente isso não se deu. Abdelkader é considerado o fundador do estado argelino moderno.
Enquanto isso, nos romances e poesias de Victor Hugo, o oriente surge como o espaço do exotismo e é usado com abundância na confecção de seus planos oníricos de liberdade e  fruição dos prazeres da vida. Enquanto deleita-se e faz o público francês deleitar-se com um oriente imaginário, repleto de cavaleiros audazes e mulheres extragantes, o oriente real, o Magreb, se dilacera sob ferro, fogo, massacres e a guilhotina - este instrumento francês de desgraça e de trevas transferido da hoje Place de la Concorde, em Paris, onde decepou cabeças de reis e proletários -, é desembarcada em Argel em 1850, sendo amplamente utilizada nas prisões do país pelos franceses até 1962, quando a Argélia finalmente se liberta da França. Este foi o tipo de "civilização" introduzido nas terras bérberes.
A crítica salienta que os poemas Les orientales chamar-se-ia primeiramente Algériennes. Face à proximidade deste oriente em chamas, Hugo troca o nome, e instala o oriente no lugar do sonho, mas nem os sonhos lhe darão esquecimento da realidade magrebina.

Amado leitor deste Blog, felizmente na vida tudo muda, a roda da fortuna gira, os homens passam, todos passamos, os países e os regimes evoluem. Resta a memória do vivido como frágil manifestação dos andares e atuações humanas neste mundo. Merleau-Ponty dirá "...vemos as coisas mesmas, o mundo é aquilo que vemos". Felizmente o mundo não é apenas o que a percepção oferece. Acima dos vícios de espírito que se refletem em uma percepção duramente fixada em elementos dolorosos como as guerras, está o espaço da criação literária que quer transcender a história e desvelar mundos outros, mas nunca deixa de jogar sua âncora no real, às vezes lodoso, às vezes sublime. 

Deixemos o passado passar e Viva a Universidade de Brasília! Viva o Instituto de Letras! Viva a Argélia independente e viva Victor Hugo!

Por Cláudia Falluh Balduino Ferreira.