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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Quem tem medo de Azzedine Bounemeur?

Qual literatura argelina, para qual público e para qual editor? Literatura para quem, afinal?
Estas são as questões que podem inquietar mais de um leitor e com certeza afastar do seu público autores mais polêmicos e francamente comprometidos com a verdade, que nem sempre é agradável de ser ouvida. Libertadora para uns, ela pode ser motivo de reavivamento de fatos conturbadores, principalmente dentro do contexto que regeu a literatura argelina e seus relatos sobre a colonização e seus efeitos devastadores. Mas a verdade é irmã da memória...

Tal é o caso da polêmica que envolveu o escritor argelino Azzedine Bounemeur e sua longa história com os editores franceses.
Confessamos ter tido uma certa dificuldade de chegar até ele e sua obra, mas uma vez mergulhados no universo da sua prosa profíqua e pungente logo entendemos o porquê...
Nascido em 1947, ele se instala em um período atordoante e dramático da história argelina: o pós 2ª guerra mundial,  o período que precede a revolução armada, a guerra propriamente e suas inimagináveis tragédias, o período da independência e toda conturbada vida de desencontros e caos que se seguem. São estes acontecimentos que marcarão a história e a obra deste autor. Nâo é pouca coisa para uma consciência gerada na dor: a história é sua herança e a literatura seu inventariante.

Azzedine Bounemeur é autor de Bandits de l'Atlas (Gallimard, candidato ao Prix Goncourt em 1983), que abre um ciclo de romances seguidos por Les lions de la nuit e Atlas en feu'. O quarto volume do ciclo, Cette guerre qui ne dit pas son nom, (L'Harmattan) conduz o leitor a um esclarecimento violento, com verdades e cenas insuportáveis, sobre as atrocidades da guerra da Argélia. Pois bem, este romance foi motivo de uma discussão ferrenha e dura entre o autor e o editor, que culminou em com a ruptura, hoje sem retorno, entre as duas partes.  
O editor sugeriu vários "cortes" e supressão de capítulos inteiros. A crueza dos fatos envolvendo a administração colonial não era um bom prato ao público europeu. Enquanto as adequações estiveram no nível aceitável, o autor tolerou. Após um certo ponto, ele se recusou a 'retalhar' o livro, moldando-o ao gosto da casa editora, fato que conduziu à ruptura: nem o editor queria ser a tribuna de uma discussão vivamente anti-francesa, tampouco o autor estava disposto a abrir mão da verdade. O autor não faz nenhuma concessão: "Ni au mélo faussement patriotique et la langue de bois, ni au misérabilisme et la paranoïa sous-jacente au complexe du (dé) colonisé". Tremendo. 

Resultado: a obra de Azzedinne é pouco conhecida na Argélia, e na França e alhures ela encontra um eco restrito. O mesmo aconteceu com Mouloud Feraoun, que em 1950, foi obrigado a excluir 70 páginas do romance Le fils du pauvre, fato solicitado pelo seu editor na época, Le Puy.
Enquanto isso, na Disneylandia das livrarias mundiais entupidas de best-sellers do mundo inteiro, soam até a demência os cantos de sereia da alienação. Por outro lado, em um canto obscuro, autores nacionais se debatem, comendo com pouco sal e muito descaso página a página dos seus manuscritos aflitos em busca de editor... Será que alguém já ouviu falar nisso? Literatura à moda?

Excelente autor para ser traduzido no Brasil, para que com o comovente relato avivemos o cultivo da memória e consideremos os valores nacionais cunhados na experiência nem sempre cor-de-rosa.

Sugerimos as entrevistas e documentários sobre Azzedine Bounemeur em:

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Boualem Sansal: o indesejado dos embaixadores





Que um excelente autor ganhe prêmios é para nós comum, mesmo normal e esperado. Mas que ganhe o prêmio e não o leve para casa, é no mínimo espantoso! É o caso do romancista argelino Boualem Sansal.
Laureado com o Prix du roman arabe, pelo romance Rue Darwin, que estava previsto para entrega em 6 de junho, qual não foi a surpresa quando o conselho de embaixadores árabes na França, mecenas do prêmio, vetou sua entrega alegando "os últimos acontecimentos no mundo árabe". Por trás desta desculpa, segundo Olivier Pierre d'Arvor, membro do juri (formado também por Hélé Béji, Tahar Ben Jelloun, Pierre Brunel, Paule Constant, Paula Jacques, Christine Jordis, Vénus Khoury-Ghata, Alexandre Najjar, Danièle Sallenave, Elias Sanbar, Josyane Savigneau e Robert Solé),  escondia-se a verdadeira razão: Boualem Sansal havia participado em maio passado do Festival Internacional de escritores em Jerusalem...
Participar de um festival literário israelense, para um escritor árabe é algo delicado... O Hamas foi o primeiro a denunciar a ida de Bualem Sansal a Israel como uma traição à causa palestina...
Sansal, que é detentor do Prix des libraires allemands pour la paix explica que esta viagem, além de romper um tabu, era um gesto necessário à um entendimento mútuo...
É lamentável quando a literatura cai nas malhas da política e  do poder, que sem imaginação, muito menos humor, trata a produção artística como um de seus artefatos de barganha e de delimitação de poder.
Para o escritor marroquino Tahar Ben Jelloun,  "...mais cedo ou mais tarde isso ocorreria tendo como "sponsor" do prêmio literário os embaixadores árabes..."
Finalmente, depois de muito quiproquo, o juri se reconcilia e o prêmio é finalmente entregue a Boualem Sansal, que muito o mereceu.
A cerimônia aconteceu nos jardins maravilhosos da Editora Gallimard.
Leia os detalhes na crônica muito bem humorada do autor, mas não foi fácil chegar ao humor...

Boualem Sansal é autor dos seguintes romances:
Le serment des barbares, 1999, que obteve o Prix du premier roman e Prix des Tropiques,
L'enfant fou de l'arbre creux, Prix Michel Dard.
Dis moi le paradis (2003)
Harraga (2005)
Le village Allemand ou Le journal des frères Schiller, Grand Prix RTL-Lire (2008),  Grand Prix de la Francophonie (2008), Prix Nessim Habif, e Prix Louis Guilloux
Rue Darwin (2011), Prix du Roman Arabe.
Nenhum deles traduzido para o português...

domingo, 17 de junho de 2012

Olfa Youssef: A mulher e o sagrado ou o Alcorão sob a ótica da psicanálise.



Existe no mundo árabe hoje uma preocupação em « reler o alcorão” e em “reinterpretá-lo” e assim recusar algumas leituras extremistas. Por detrás destas petições de princípio encontra-se o postulado segundo o qual haveria numerosas leituras possíveis do texto sagrado dos muçulmanos. Esta idéia não é nova, ela existe desde o princípio do islam. Contudo, raros são aqueles que exploraram as consequências à luz dos saberes modernos. Pois bem, está quebrado o tabu: Olfa Youssef é esse nome.

Esta intelectual tunisiana, especialista em linguística e  psicanálise viveu na pele e no quotidiano as consequências das interpretações corânicas sob esta ótica. Hoje empregando as ferramentas da teoria da linguagem, da semiologia e da psicanálise ela trás à luz as estruturas linguísticas, semióticas e inconscientes do alcorão e também daquilo que seus leitores acrescentam a cada leitura. 
O maravilhoso trabalho de Olfa Youssef é digno de nossa admiração e respeito no mínimo por sua originalidade e ousadia. Ela entra com elementos da modernidade na interpretação do texto canônico com uma coragem e brilhantismo raros neste domínio em que,  desde o primórdios do islã, os homens são os detentores e a interpretação do texto santo dominada pela ótica masculina e patriarcal dos ulemás.
Encontramos em Olfa Youssef um sinal da transformação do mundo árabe, diante da modernidade da globalização e das inevitáveis mudanças em todos os segmentos da sociedade. E uma transformação em um nível muito profundo, pois o islã não é apenas uma religião, mas uma civilização e um sistema jurídico. A primavera árabe comprova a sede de mudanças e o papel da juventude foi fundamental. Ainda que os efeitos não sejam vistos em plenitude e muitos falem em caos, o movimento que revolucionou o mundo árabe com certeza revolucionou em primeiro lugar as consciências.

O trabalho de Olfa possui sonoridades das origens do islã. Conta-se que algumas mulheres da primeira comunidade islâmica eram ardentes feministas, como a antiga guerreira Nusaybah. Ela um dia perguntou a Maomé por que razões, no Alcorão, Deus se dirigia sempre aos homens e jamais às mulheres. Conta a lenda que Allah reconheceu a validade de sua questão pois, após a demanda a Revelação falará ao mesmo tempo dos "Crentes homens e crentes mulheres". Esta lenda é considerada um racionalismo apócrifo... Contudo o texto corânico está abundantemente envolvido por personalidades femininas de peso como aquelas derivadas de outros monoteísmos como Eva, Belckis, a Rainha de Sabá, a própria Virgem Maria, passando pelas mulheres islâmicas, que seguiram o profeta em diversas situações como Aicha, Zaynab, Oum Salâma, Çayfa, Maymouna, Khawla, Rayâna entre outras, mulheres de extraordinários feitos na proximidade do profeta Maomé, acolhidas por ele. Como o islã pôde excluir o feminino de forma tão enfática em sua conduta pelos séculos? Sabemos que foi devido a interpretações misóginas. Daí o grande valor de Olfa Youssef que nos explicará mais...

Nosso intuito não é classificar as ações islâmicas referentes à mulher. Sabemos que dentro do cristianismo a mulher foi igualmente vítima de aplicações preconceituosas e misóginas durante mais de dois mil anos... Sabemos também que as mulheres foram as grandes amigas do Cristo e  que seus detratores e traidores foram... homens. O primeiro ser a quem foi anunciada a vinda do Menino, foi uma mulher: a Virgem Maria. Também foi uma mulher a primeira a ver o Cristo ressurreto: Maria Madalena, e sabemos também com quanta crueldade o nome dela foi tratado ao longo dos séculos...

Enfim, leitor amado, está semeado o campo.
Olfa Youssef é autora de Le coran au risque de la psychanalise (Albin MIchel), de Démunis de raison et de religion et Confusions d'une musulmane. (Nenhum traduzido para o português...)
Sugerimos o Blog da autora em http://olfayoussef.blogspot.com.br/.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Abdelatif Laâbi: erotismo e poesia marroquina.



Abdelatif Laâbi é incontestavelmente um grande poeta marroquino. O que fica oculto pelas camadas intensas da força de sua atuação nos tempos de repressão é a sutileza do erotismo que permeia sua poesia.

Nascida da flamme qui brûle, esta poesia oferece as expressões do desejo em versos contidos, breves, de cadência íntima e soberana fazendo aflorar força e sutileza mescladas em sonho e em prática. Les fruits du corps é deliciosa leitura para aqueles que buscam apartar-se do ruido e das asperezas do real. É leitura que através da ternura e da sensualidade nos instala nas camadas  do erótico.

Hoje contamos com a  tradução para o espanhol do recueil de Laâbi Les fruits du corps, e o Grupo de Estudos Literários Magrebinos quer apresentá-lo ao público brasileiro.

Trata-se do trabalho do também poeta, tradutor e pesquisador argentino Leandro Calle. O autor de Tatuaje de fauno (El Francoatirador, 1999) e de Noche extranjera (Editiones del Copista, 2007) une à sua sensibilidade o desejo ígneo que se revela em versos como "Cuando abraza, abraza" (Entonces, Alción Editora) ao modelo da poesia laabiana em uma confluência sutil de imaginários e poéticas. Ele traduzirá Laabi pela Alción Editora, com o título Los frutos del cuerpo.

                                                                
Leandro é também autor de Une lumière venue du fleuve, Los elementos (Alcion 2003), Almas del Boqueron (Pircas, 2004)  e do poema que diz:
Repleta de plantas esta casa
con la serena alegría del verde
que agradece la lluvia tropical
con fulgor de colores
por todos los rincones.
Yo sigo sedienteo de tu cuerpo
con el himen de mis ojos intacto
sin poder entrar aún sin poder celebrar
el inasible orgasmo del mundo.

Leandro Calle traz para o espanhol o erotismo da poesia de Laâbi  de forma intensa e delicada.

À n'importe quel âge                   No emporta la edad
en amour                                      en el amor
on est tous                                    todos somos
des débutants.                               debutantes

                                      *
L'iris a fondu dans l'iris                 El iris se funde en el iris
Que nous arrive-t-il?                      Que nos pasa?
la faim                                            El hambre
n'est plus la faim                            ya no es la hambre
La soif                                            La sed
n'est plus la soif                             ya no es la sed
Graine de cannibales                     Semilla de caníbales
nous faison mine                           fingimos
de dresser la table                          preparar la mesa
Juste pour se manger des yeux?    Solo para comernos con los ojos?

                                            *

Tu me donnes la main                       Me das la mano
ce qui s'appelle donner                     lo que en verdad es darla
Et tu sais jusqu'où                             Y tú sabes hasta dónde
ira la mienne                                     irá la mía
Ele entrenprendra d'abord                 Primero acometará
la nuque satinée                                a nuca satinada                     
Descendra pour s'égarer                   Descenderá para alejarse
entre monts et vaux                          Entre montes y valles
Puis mettra le cap                             Después se dirigirá
Sur la perle flotante                          Hacia la perla flotante
bivouac de tes délices                       vivaque de tus delicias.

                                           *
J'aime                                                       Amo
quand tu ferme les yeux                           cuando cierras los ojos
et encore plus                                           y mucho más
quand tu les rouvres                                 cuando los reabres
comme si tu me disais:                            como si me dijeras:
Je te suis reconnaissante                          Te doy gracias
de m'être reconnaissant                            de que me agradezcas


                                           *


Je te livre                                                 Te entrego
mon bâton de pluie                                   mi palo de lhuvia
et m'abandonne à ta voracité                    y me abandono à tu voracidad
Sustente-toi                                                Susténtate                              
du vif éclair                                               del relâmpago vivo
à toi confié                                                 confiado a ti
Abreuve-toi                                                Bebe
à même l'orage.                                          directamente de la tormenta

                                    *
Si je pouvais m'abandonner
comme tu t'abandonnes
Si tu ouvais me caresser
comme je te caresse
Si...
Mais que serions-nous
Sans nos imperfections?



 
Sugerimos ao leitor uma visita ao site pessoal de Abdelatif Laâbi : http://www.laabi.net/index.html