Conheça-nos.

Minha foto
Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

quinta-feira, 5 de março de 2015

A literatura árabe face ao terror. Receitas de agoniar.

Biblioteca iraquiana destruída.





Nada de novo sob o céu, nada de novo na literatura árabe. Muitas foram as fogueiras que torturaram bibliotecas: das vaidades, de Alexandria, agora de Mossul entre outras... Mas os homens prosseguiram...
Permeada desde a noite dos tempos pelos conflitos humanos, a literatura médio oriental está assentada sobre um mundo que não consegue jogar âncoras nos subsolos da terra e firmar aí definitivamente seus contornos absolutos e intocáveis. Ao contrário, a massa movente das regiões árabes, desde os países do Golfo Pérsico profundo até as falésias do Atlântico, onde o Atlas marroquino mergulha suas bases no poente e a cada século retraça as fronteiras  a régua ou a sangue, tem como companheira fiel a literatura. 
A única lealdade do homem é a palavra poética. Mas são tantos mortos, quem pára para pensar nos livros e na literatura sob os escombros?
A única estrutura que não se desvencilha dos tremores insurgentes das mãos dos facínoras da história é a literatura.
Muitas vezes secreta, resguardada em seus laboratórios ocultos onde os poetas compõem, ela virá a tona muitos anos depois, resguardada que estava das garras dos regimes políticos que calaram sua expressão maior.
Outras vezes ela jaz sob os escombros dos monumentos ancestrais da humanidade, como as atuais ruínas de Nínive, e calam-se aí os poetas iraquianos, muito frágeis para levantar a lage, qual lápides, sobre suas pobres cabeças atordoadas de história e de destruições.
 Mas a literatura não perdeu a vida. Não. Ela vive e respira fragilmente, como vive a literatura síria atual, apesar da catastrófica onda de terror que submerge seus ícones de bizâncio, seus panteões Sumérios manchados doravante pelo sangue das crianças, seus portais e colunatas e eremitérios que não remetem mais à ancestral Palmira ou aos lagos calmos de Bosra, ou aos cumes de Maalula, mas sim, à realidade pungente de uma dor contemplada pelo mundo. E mundo incapaz e também covarde, inepto e cúmplice sardônico dos vassalos do ódio, de fazer algo rumo ao soerguimento de uma cultura, de uma nação, de um povo mergulhado no caos que de certa maneira, vimos nascer sem arrancá-lo pelas raízes. Mas o tempo não aparagá a história.
Daqui do Brasil, contemplo impotente este mundo torturado e em estertores, este mundo árabe que amo, principalmente o mundo sírio, desejando fantasiosamente ver voltar o espírito de Salah u-Din, talvez evocá-lo, talvez incorporá-lo e sair em busca da justiça com um magnífico exército de 'mujahidins' devotos e audazes, corajosos e sensíveis. Qual... Aqui jazo também, espectadora do indizível, respirando com dificuldade os ares do tempo e acreditando piamente, quase desfalecendo, que a coragem e a vergonha do mundo acabaram-se. Estão para sempre jazendo (palavra nítida) em uma fossa comum, sob a  pá de cal do imperialismo e da desonra.