Conheça-nos.

Minha foto
Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

"L'Attentat", de Yasmina Khadra premiado em Hollywood.

   
O cineasta libanês Zouad Doueiri
 

É realmente espantoso o modo como a história influi nos "corações e mentes" da humanidade. Para o historiador tunisiano do século XIV, Ibn Haldun, "... A história é a meditação e o esforço  para ascender à verdade, explicando com fineza as causas e as origens dos fatos..." (Almuqaddimah). Depois do atentado de 11 de setembro, em que os americanos viram a consolidação de seus piores pesadelos, inúmeras vezes trombeteados pelos estúdios cinematográficos deste país e tendo como sede a cidade de Nova York, é sabido que algo mudou e para sempre. De lá para cá, infelizmente os incidentes desta natureza se repetiram, culminando agora com o atentado terrorista em Boston, em que mentecaptos se vêem no direito e na obrigação de arrancarem as pernas e trucidarem pessoas em nome do recalque e do atraso que os fazem, desde o negror dos tempos, perdedores contumazes.
     Mas, ainda assim, ver um filme portando esta temática nas telas hollywoodianas é no mínimo um sinal explosivo dos tempos.
     Mas voltando ao cinema,  Hollywood surpreendentemente (ou não...) acaba de premiar o filme "O atentado", baseado no romance do escritor argelino Yasmina Khadra. O filme recebeu o Premio do público e o Prêmio especial da crítica no 17º festival Colcoa do filme francês em Hollywood, anunciado dia 22 de abril, segunda feira passada, pelos organizadores do encerramento do festival. O filme recebeu também um novo prêmio criado este ano, o Coming Soon Award. O atentado, (The Attack) é uma produção que une vários países ( França, Bélgica, Qatar e Egito). É escrito pelo libanês Zouad Doueiri e sua esposa Joelle Touma e ao realizá-lo as intensões da dupla era "ir além das evidências que todos conhecem ligadas ao antigo e todavia moderno conflito Israel-palestina (...) e propor uma outra visão, uma outra maneira de pensar-lo".

A trama e o autor do romance, Yasmina Khadra.

No romance "O atentado", do argelino Yasmina Khadra, (Sá Editora, 2006, tradução de Ana Montoia) Amin Jaâfari, um cirurgião palestino de sucesso e bem integrado em Israel descobre que sua esposa, de origem palestina é a autora de um atentado suicida em Tel Aviv. A perplexidade de descoberta leva Amin   a  tomar a ponta do longo fio de intensões, tramas, mistérios que o conduzirão ao núcleo da confecção do atentado: um ambiente onde se misturam bem combinados a miséria, a revolta, o integrismo, o fundamentalismos e todos os "ismos",  sazonais ou não, que geram o terror. Apesar destas constatações, Yasmina Khadra tenta colocar o lado humano dos homens e mulheres bombas, que, ainda que motivados por uma intensa "lavagem cerebral" são seres vindos de famílias humildes, que sofreram perdas inexoráveis durante a existência. A posição de Yasmina foi muito combatida e criticada pela mídia nos inúmeros debates que ele frequentou  na televisão francesa e internacional.

Veja o trailer do filme

Miniatura
https://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=GDDziAQISbY

     Para François Truffart, lo diretor e programador do festival americano de Colcoa, os prêmios recebidos por Zouad Doueiri, graças ao "O Atentado", "coroa de êxito nossa estratégia de programação que consiste, há dez anos, em oferecer uma seleção de filmes destinados a vários públicos", declarou. 
            
O filme será lançado na França dia 29 de maio próximo e dia 21 de junho nos Estados  Unidos. 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Escritos da maturidade: "Lettres à moi-même", do escritor marroquino Edmond Amran el Maleh.

Edmond Amran el Maleh é um dos grandes escritores marroquinos. Mais que isso: é um dos grandes intelectuais cuja característica dominante - o talento de escritor e a atuação política -, o coloca entre os grandes marroquinos de seu tempo. 
Nascido a 30 de março de 1917 Edmond Amran el Maleh foi daqueles nomes que se destacaram na cena marroquina do século XX  pelo sentido de inovação, de combatividade e audácia, mas também uma certa inconstância foi parte desta trajetória que silenciou-se em 15 de novembro de 2010, em Rabat. 
A inovação e combatividade de al Maleh é revelada na condução que exerceu do então Partido Comunista Marroquino, na época clandestino, e na intensa militância pela independência nacional do Marrocos. Todavia toda esta atividade política é cessada, porque novos tempos chegam e não exigem mais a intensa participação do mestre que, então professor de filosofia,  deixa o Marrocos rumo a Paris, em 1965. 
Na capital francesa ele atuará ainda como professor de filosofia e como jornalista. 

Uma obra literária que começa na maturidade


Mas um dos fatos mais interessantes, todavia próprios dos espíritos como o de Edmond al Maleh foi o início de sua atividade como escritor.  Ele começará  sua carreira em 1980, então com 65 anos, dando início a uma série de romances e contos que darão nova face e ímpeto a esta existência já madura e enriquecerão em muito o patrimônio literário marroquino. Kant escreveu Crítica da Razão Pura aos 57 anos, e Goethe começa o Fausto aos 24 anos (Urfaust 1772), entre muitos outros exemplos, mas o fato é que nascimento do homem escritor aos 65 é bastante curiosa e igualmente estimulante! Prova de que o gênio às vezes leva tempo para manifestar-se publicamente, através da composição de un artefato artístico, seja de que natureza for. No caso de al Maleh será o início da publicação de romances como
Parcours immobile (1980), Ailen, ou la nuit du récit (1983), Jean Genet, le captif amoureux e autres essais. (1988), Mille ans  un jour, (1986), Le Retour d'Abou El Haki, La Pensée sauvage, 1990, Abner, Abnour, La Pensée sauvage/Le Fennec, 1996, La maIle de Sidi Maâchou, Al Manar, 1998, Le café bleu. Zrirek, La Pensée sauvage, 1999. Une femme, une mère, La Pensée sauvage, éditions Lixus, 2004, e finalmente Lettres à moi-même, Le Fennec, 2010 reeditado agora em 2013, sem tradução para o português.
Em seus textos estão expressadas a alma judia e árabe celebradas em simbiose com um Marrocos igualmente bérbere, árabe e judaico.      

Lettres à moi-même, obra reeditada este ano pela Editions Le Fennec é comentada por Abdellah Baida: "Edmond Amran El Maleh souhaite pour ce livre que "le lecteur  partage le plaisir qu'il a pris à l'écrire", car ce qui prime avant tout c'est la valeur, la qualité littéraire du texte. Entre récit et poème en prose, ce livre épistolaire  nous esquisse un nouveau genre.                                                                                  
                                          
Uma passagem do livro:    "...La pudeur aurait voulu que je ne livre pas au public cette amitié qui dure depuis plus de soixante ans. J’ai même songé à un tutoiement au commencement de cette lettre, mais c’eût été d’une familiarité indiscrète, et, d’autre part, j’ai pensé que le respect à l’égard de soi-même, chose si rare de nos jours, se devait de l’éviter. Un certain scrupule ne manque pas aussi de me tourmenter, dès l’instant où j’ai pris l’initiative de vous écrire. N’y a-t- il pas quelque inconvenance, j’allais dire outrecuidance, à prodiguer conseils et recommandations, même si l’amitié semble en autoriser le légitime souci, quand ils sont adressés à une personne chère sans doute, mais dont l’âge, l’expérience, la maturité signent l’entrée en sagesse..." 
    
Lettres à moi-même inclui o leitor como habitué e ouvinte desta intensa experiência de vida e Edmond al Maleh um excelente autor para ser prestigiado, traduzido, e constar no catálogo das excelentes editoras brasileiras.

Cláudia Falluh Balduino Ferreira.                                                                                                    

quarta-feira, 3 de abril de 2013

"Eu matei Sherazade". Confissões de uma árabe enfurecida. A escritora libanesa Joumana Haddad.


                                                                

Se a máxima ocidental dos tempos da realeza dizia: "...Longa vida ao rei,  (ou à rainha) ", a máxima moderna desta escritora libanesa é confessional e passionalmente explícita. Sem pestanejar ela anuncia ter eliminado a célebre rainha contadora de histórias.
Publicado pela Editora Record, estas confissões "de uma árabe enfurecida", como a escritora libanesa se autodenomina é no mínimo espantosa! Sherazade encarna o protótipo de contadora de histórias que assim o faz para aplacar a ira de um real esposo. E acaba aplacando mesmo e em consequência tendo vários filhos entre uma historia e outra, os quais o rei só descobre após a milésima primeira noite... Nem tudo era só contação de história. 
Pois bem,  através da morte simbólica da rainha, Joumana Haddad quer 'matar' igualmente a imagem criada no ocidente sobre a mulher árabe: oprimida, rechaçada, em silêncio contrito e penitencial, muda atrás dos véus que só de neles pensar me atiça a claustrofobia. Eu arrancaria todos eles em desabalada carreira pelo território da liberdade de Tifachi, ou de al-Djawbarî, que já nos idos dos séculos XIII e XIV mostraram as mulheres árabes em seus mínimos detalhes físicos e de expertise sexual e vivencial nas páginas dos tratados de erotismo que escreveram.

          
Joumana Haddad

A literatura magrebina mostra desde suas primeiras manifestações esta mulher que Joumana diz não existir mais. Alvíssaras!

É bom saber que as coisas mudaram desde Driss Chraibi, autor marroquino, que em seu romance Le passé simple descreve uma família sob o julgo paternal com extrema violência sobretudo a imagem da mãe, que não ousa falar, nem levantar os olhos para o marido, reclusa nas cozinhas alimentando-se junto aos fogareiros e às tajines mornas, enquanto o pai reina soberano sobre a família. Mulheres que só são demandadas para o prazer e para o trabalho estão presentes também na obra do argelino Rachid Boudjedra, em La Repudiation. Já  o marroquino Tahar Ben Jelloun evoca o lado oculto do espelho: para ele, o manto de servidão e pudor serve para mascarar um ser maquiavélico: a mulher. Olhos baixos na rua, mas em casa voam pelos ares as caçarolas de tajine e imprecações morais lançadas pelas esposas sobre aquele que é tido como o grande opressor: o homem.  




"Eu matei Sherazade" é realista, mas também é divertido. Contesta a cada página "a mulher oriental criada pelo ocidente". Volta um olhar sobre o homem árabe, sobre todos os tabus que imperam sobre o sexo, sobre a família e sobre a verdade pelo menos da mulher libanesa. Mas, principalmente, Joumana fala do preconceito, do avanço do integrismo acirrando a misoginia. Fala dos tabus que reinam sobre todo tipo de assunto ligado à sexualidade, das conspirações da mulheres contra as própria mulheres, perpetuando a dominação e o ódio em todos os planos da atuação feminina: seja no trabalho, no lar, na sociedade enfim. 
A imagem estereotipada da mulher árabe seja envolta em véus e submissa nos haréns e nas cozinhas está com os dias contados se depender da pluma desta escritora vigorosa que, 'enfurecida', esclarece a situação. Ela faz soar bem alto os versos do poeta  medieval iraquiano Abu Nowâs, que diz em um dos seus célebres poemas sobre a mulher e o casamento: "Oh, mon ami, puisse mon infortune vous servir de leçon.   Le mariage est une prision pour toutes nos mésaventures".
Mas considerando os títulos dos capítulos constantes nos tratados eróticos de Tifachi e Djawbari, citados acima, podemos ver que desde o medievo árabe a imagem oculta da mulher que Haddad esclarece em seu livro ultra moderno já era muito bem conhecida. São títulos como : Les règles du massage et les manières des masseuses, ou Les femmes libertines qui s'offrent d'elle mêmes, entre outros.
Tudo isso, tanto os tratados de erotismo medievais, quanto o livro de Joumana são canais que livremente dão nome aos bois. 
No caso dos erotólogos medievais, eles dirigem-se diretamente à sensualidade do leitor e revelam um tipo de mulher. 
Quanto à Joumana Haddad, ela envia uma carga intensa de verdade  ao senso crítico daqueles que querem ler (e ver) por debaixo do véu da hipocrisia reinante, a verdadeira imagem e a essência da mulher no mundo árabe. 
Joumana é também autora de Superman est arabe, ainda sem tradução para o português.