A liberdade acadêmica e a religião, a espiritualidade e o sagrado.
Universidade al-Mustansiryia, Bagdá. |
É interessante notar que mesmos as mais antigas universidades do mundo, como a primeira delas e a mais antiga e ainda existente, a universidade de Karaouine, em Fès, no Marrocos, fundada em 830, - e já que estamos no mundo árabe, falemos da da Universidade al Mustansíriya em Bagdá, fundada em 1227, ou seja quase 100 anos antes da fundação da Sorbonne -, eram centros teológicos islâmicos por natureza. A própria Sorbonne deve seu nome ao teólogo francês do século XIII Robert de Sorbon. Naquele tempo era chamada Collège de Sorbon, com o fundamento e inspiração humanista que derivaram vários outros colégios doutorais na França iluminista, como o célebre Collège Coqueret, que preparou os mais ilustres tradutores das línguas eruditas daquele tempo: o hebreu, o latim e o grego. Voltando ao fundador Robert de Sorbon, este ilustre personagem era nada menos que capelão da casa real de Louis IX, ou São Louis de França, descendente direto da dinastia Capetíngia, que participou da sétima e da oitava Cruzada e foi canonizado Santo pelo neto, o também rei Felipe, dito o Belo. A cidade de São Luis do Maranhão deve seu nome não ao Roi Soleil, vaidoso, leonino por certo, Louis XIV, que possuia mil perucas e 2000 pares de sapatos de salto 12, mas sim, ao rei santo, caridoso e magnânimo, a quem o poeta Rutebeuf (rude, mas puro) dirigir-se-á, pranteando e rogando caridade em sua miséria extrema, pois "minha cama é cama de palha, e cama de palha não é cama"....(... car mon lit est lit de paille et lit de paille n'est pas lit...).
Este recuo entremeado de poesia é para mostrar o fundamento teológico das universidades das primícias, tanto no oriente quanto no ocidente. Porém, já ao longo do século XII a universidade, ou os colégios foram expandindo-se através do esforço dos intelectuais, e ergueram-se em novos auspícios com o estabelecimento do que era então chamado de studia generalia. Estes intelectuais franceses unidos aos estudantes do também ancestral Colégio de Bologna, a mais antiga universidade do ocidente, decidiram agrupar-se em uma corporação legal e em consequência adotaram o termo universitas. Daí nasce o termo Universidade, não somente baseado na universalidade dos saberes, que deixam de ser e de cunho teológico saindo das mãos da igreja e seus dirigentes combatidos pela língua ferina do poeta Rutebeuf, e passam a ser saberes ditos generalis (humaniorum e ciências). Esta primeira associação entre Bologna e Paris marcará para sempre a atual natureza associativa das universidades no mundo, associação esta importantíssima, e também a sua distinção intelectual. Esta é uma herança que por séculos sustentou os altos e baixos das universidades no mundo, seus projetos de esperança e suas lutas contra o fechamento imposto pela negrura militar ou ariana.
A Universidade de Brasília. Visão do Instituto de Ciências. |
Os professores Sylvia Cyntrão, Willian Alves, Cláudia Falluh, Jaime de Santana e Augusto Rodrigues na I Jornada Literatura e espiritualidade.- UnB - maio de 2013. Vídeo sobre o evento: https://www.youtube.com/watch?v=_I-zaSwBapg |
Ensinar uma disciplina significa repensá-la. Não há dúvidas sobre isso. Assim, a linha de pesquisa literatura e espiritualidade que inauguramos no programa de pós-graduação em literatura sabe que os problemas de uma matéria se tornam muito mais evidentes em sala. E as associações da literatura com as formas espirituais, religiosas e com o sagrado surgem em um momento de profunda crise espiritual da humanidade. Na Idade Média, porém já existia o propósito que aos poucos se consolidou, de afastar a universidade do mundo cristão A razão, já colocando as asas de fora, sugeria ser uma arma de dois gumes que poderia tanto aguçar quanto destruir a fé. Mas esta é outra questão.
A introdução da reflexão da presença o trinômio espiritualidade religião e sagrado na literatura, tudo isto instalado no seio da academia é uma antecipação da idéia de que a universidade não é uma mera usina tecnológica, mas um centro que recusa uma tendencia de aprisionamento da liberdade acadêmica na qual a reflexão espiritual, religiosa e mistica é resultado da compreensão imaginativa que existe na literatura e é digna de ser explorada.
A pesquisa acadêmica simboliza também dispor publicamente o conhecimento, e a pesquisa do religioso e do sagrado na literatura, nas universidades surge tal qual as bonecas russas matriuchkas: uma guardando dentro da outra o seu avatar.
Cláudia Falluh e Cristian Santos, Professor de Filosofia da religião na Biblioteca Redemptoris Mater, Brasília. |
Para nós, a liberdade acadêmica do professor para trabalhar e expor tais temas como a literatura e a religião deve ser semelhante à imunidade diplomática: o homem (e a mulher) acadêmica e suas idéias livres do rigor da lei. A I Jornada Literatura e Espiritualidade na Universidade de Brasília o comprova.
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