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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Lembranças de Bruno Durocher: memórias pelo puro prazer de contar histórias.

« L’écrivain doit aspirer à la sagesse de la connaissance et ne pas se contenter du rôle d’amuseur public. Il faut que le visage soit nu et non masqué. » B. Durocher


Nos anos 1990, lá estava eu andando pelas livrarias parisienses pesquisando sobre a literatura magrebina. Esses passeios eram intercalados por longos cafés nos terraços parisienses, onde tanto olhamos. Eram bons tempos. Nesta época tive a oportunidade de conhecer alguns editores parisienses, dentre eles Bruno Durocher. 

Durocher, (né Bronislaw Kaminski, le 4 mai 1919 à Cracovie, 9 juillet 1996) foi o fundador da revista Caractères juntamente com Jean Tardieu, Jean Follain e André Frénaud.  Mais tarde fundou a Editions Caractères, primeira editora francesa a publicar Fernando Pessoa. E foi lá na Caractères que nos encontramos uma tarde. Ao chegar o velho senhor me recebeu com sua figura misteriosa, calejado de tantas letras e pelos 6 anos prisioneiro em Mauthausen na juventude. A editora aninhava-se em uma sala rústica que abrigava uma grande mesa tosca de madeira, sobre ela vários volumes, papéis e guilhotinas e em cascata inúmeras máquinas impressoras, toda a parafernália de editoração. Esses objetos quase vivos mas também meio adormecidos vibravam em neurastenia em um cômodo medieval sob as vigas de madeira que ornavam o teto meio baixo. Tive a impressão (literal...) que encontraría ali, saindo por uma porta carregando livros recém editados Christine de Pizan ou Montaigne. Conversamos sobre literatura, sobre poesia. Depois tomamos chá. 


Bruno Durocher na sua Caractères.
Bruno Durocher tinha as mãos de um artífice do papel e do livro. Já idoso, os olhos muito azuis irradiavam uma estranha energia hipnótica e paradoxalmente muito jovem. Conversamos muito e lhe apresentei meu original, um recueil de poesias chamado De corps à coeur,  que foi aceito em uma publicação à compte d'auteur, hoje esgotada, infelizmente
Esta edição foi sempre meu talismã. Com prefácio, uma simples página escrita por Tahar Ben Jelloun, lembro-me das palavras de Bruno ao ler o texto: "C'est l'amour, c'est la jeunesse..." Guardo comigo o único exemplar como um amuleto porte-bonheur. Na saída, o senhor Durocher me presenteou com seu romance Livre de l'homme, um texto absolutamente emocionante, violento, permeado de uma verdade absoluta que transtorna ainda hoje esta sua perene e admirativa leitora. Devorei-o no vôo de volta para o Brasil.
Segue um de meus poemas deste já antigo "De corps à coeur".

Mes mains sont les visiteuses assidues de ton corps,
Ton corps élancé, vorace,
Matin lumineux et troublant.

Mes mains sont comme des perles dans les tiennes,
Dans tes mains brunes et grandes,
Messagères de caresses insolites,
Caresses rusées et surprenantes.

Tes mains se promènent curieuses sur mon corps,
Qui cherchent l’aube rosée de mon désir,
Qui cueillent la surprise de mon coeur endormi
Et le réveil de la peau distraite.

L’absolu du plaisir sous tes mains laborieuses,
Tes mains sur mon corps de feu et de sel,
Dans mes secrets de chair et de rose,
Dans mon territoire ami de jouissance et de cri.

ou 


L’étranger.
                                                           Pour Atiq.  Bleu sur neige.

Toi, venu de loin guérir la plaie,
domine ,
crie,
sème...Oh, sème...

Toi, l’étranger,
Ton coeur est ma patrie,

Habillée de songes,
J’abrite ton corps dans une minute de ma destinée .

Maintenant, la gazelle retrouvée,
            Mangeons des dattes sous la tente.

Ensuite,
tu partiras.

Hoje estou em busca de novo editor para De corps à coeur. Encontrarei? Não sei. A poesia anda esquecida. Publicá-la é quase um ato de bravura, e Bruno Durocher não existe mais neste mundo; ele que, ousado, publicou tanto Fernando Pessoa como também uma desconhecida (como o é ainda hoje) poetiza brasileira que escrevia em francês. Hélas... Abaixo a carta de nosso primeiro contato.



Segue  um link http://temporel.fr/Bruno-Durocher que permitirá ao leitor deste Blog conhecer mais sobre a obra de Durocher, com um belo texto de Anne Mounic sobre as lutas tremendas deste polonês que fez da França seu abrigo e seus escritos sobre a dor infinita da existência e sua grande juventude jamais extinta, sempre uma chama nos olhos muito azuis, hipnóticos, apesar de sua história sofrida. . Meu desejo aqui aqui foi contar uma história e reverenciar a memória deste que foi um atento interlocutor. Bons tempos...

Pergunto aos meus botões como o mago da rue de l'Arbalète, esquina com a rue Moufetard veria hoje de dentro de sua oficina de paredes antigas as edições de e-book, o livro digital fascinante, que se lê através de uma lousa luminosa, leve e suave, que manda para o passado as toneladas de ferro e madeira que compõem uma editora... Acho que veria - com seus olhos sempre muito jovens -, a força do presente iluminando o devir com uma força  transtornadora, cristalina e absolutamente crente nos valores do futuro.  Que será, será.        
      Por Cláudia Falluh.

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