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Brasília, DF, Brazil
Cláudia Falluh Balduino Ferreira é doutora em teoria literária e professora de literatura francesa e magrebina de expressão francesa na Universidade de Brasília. Sua pesquisa sobre a literatura árabe comunga com as fontes do sagrado, da arte, da história e da fenomenologia em busca do sentido e do conhecimento do humano.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Entrevistando Lahcène Moussaoui, poesia argelina entre a lucidez e o delírio lírico.





A poesia de Lahcène Moussaoui é composta na balança sábia da lucidez e às vezes oscila para o negrume do delírio, ainda que nele encontre  luz. Caminhei lenta e curiosamente pelas páginas destes "Dialogues d'un fou avec lui même", (Editions Casbah) para encontrar nada menos que euforias distintas diante do amor e gestos desesperados diante dos impostores que se apropriam do sonho. Depois, de um fôlego e atônita, reconheci Argel, a branca, amanhecendo às margens do Mediterrâneo, mergulhei em desertos explícitos e ternos, e sonhei à sombra de oásis que resplandecem nos areais sáfaros argelinos.   
O poeta é claro que o sentimento que colhe da alma alheia é comunhão de vividos, é comunhão do pathòs cruel  e manso que aflige o outro, mas que pode levar, em depuração, aos territórios da beleza :
                                                                            

Pour m'avoir laissé entrevoir                               
Les profondeurs de ton être,
Fait goûter la pureté de ton essence,
Tu m'as prémuni contre bien des aléas ;
Des leures nombreux qui minent le quotidien
Et les lumières artificielles des amours impasse.
En ta beauté imdomptable, éternelle,
J'ai appris la relativité des autres ;
Chacune, en sa magie et tous ses secrets,
ne traduit qu'un petit bout de la tienne. 

Esteta e perseverante na descrição da beleza, Moussaoui compara as formas presentes na obra de Oscar Niemeyer, seu amigo, com as irrupções das imagens obsessivas em sua poesia dos "rondeurs" femininos que nascem tanto da aventura do vento nas dunas que cercam seu oásis preferido, Taghit, onde nasceram estas poesias, como na força plácida dos volumes arquitetônicos que brotam  das linhas do arquiteto e ganham as cidades, transmutadas em luxuriantes formas capturadas do sonho e da realidade. Assim é também a poesia de Lahcène Moussaoui. Através dela erguemos os véus da realidade e penetramos na Casbah soberana mas também maternal, sábia, intuitiva, sofrida, porém transcendente, provedora e protetora, sítio ultra feminino.    

Dizem que as velhas medinas árabes são compostas por ruas que formam um labirinto ao olhar do visitante. Este se perde nos pequenos becos sem saída, no traçado do dédalo que obriga a tantas voltas e retornos. Deseja-se o mercado: encontra-se um bebedouro em faiança. Procura-se o artesão: encontra-se uma praça florida e ladrilhada. Mas quando artesão e mercado são encontrados, surge um brilho inigualável no olhar do visitante que então fruirá do que a arte dos metais e do comércio têm de melhor. Assim é a poesia árabe.
Porém, a  poesia de Lahcène Moussaoui é criada no espaço livre dos grandes desertos. É lírica nutrida pelo frescor íntimo dos oásis que surgem abruptos ao final de abismos, são setas acomodadas no côncavo das falésias do Saara, onde a água jamais cessou de jorrar. 

Os versos da poesia lahceniana são refrigérios ancestrais que há muito abandonaram o caos urbano, para se refugiarem no silêncio da água plácida de Tahgit:

C'est à Taghit,
Que j'ai retrouvé
Gravé en mon être,
Le velouté de ta peau;
En ces incessants mouvements; 
Dunes en perpetuelle naissance
Regénérescence.
Envoûtantes;
Capable de leurrer même le rêve
Pour mieux cacher,
Soustraire aux humains
Ses secrets. 








Ali eles encontram fôlego para dizer do infortúnio transformado em epifania,  fazer o inventário dos amores d'antan, vívidos na matéria ultra-feliz da memória,  versos do amor do passado que são cartilha para os amores inesperados da vida presente, ressoando em aliança nas formas exuberantes das dunas argelinas. Estes retornos e voltas para chegar ao âmago das coisas são a essência do espírito árabe, que levam ao conhecimento do complexo traçado que todas as semióticas ambicionariam explicar, desde o urbano até o sentimental, assim como a filosofia nos obriga ao retorno para conhecer a essência da verdade em seus argumentos de serenidade  pragmática, aliança entre o fato e o fazer.

Lahcène Moussaoui fez brilhante carreira como diplomata, Embaixador de Argélia no Brasil, na Tunísia e na Austrália, assim como Ministro em seu país, deputado e membro do governo argelino. Logo, o vigor de sua poesia surpreende, principalmente evocando a figura misteriosa do louco - contraste absoluto com sua trajetória de vida -, mas que por assim mesmo ter sido possibilitou esses dialogues frementes e sábios. Esta sapiência brota do reconhecimento da dor, da fragilidade, da agrura do seu próprio passado imerso em uma orfandade dolorosa surgida dos terrores da guerra da Argélia. O embaixador e o político não deixaram de dar lugar à voz deste a quem chama "fou" e que surge como poeta, como profeta, como asceta, como amante incontido, revelado, mas discreto, como o conselheiro, como observador do mundo e das vicissitudes da existência, como arauto da beleza infinita e ancestral da terra, da mulher e da vida.

Cláudia Falluh e o poeta  Lahcène Moussaoui

Convido a todos a acompanharem o vídeo com a entrevista que faço com o poeta. Nela falamos da convivência entre gerações, da natureza como força que rege o poema, da juventude e da maturidade, da aceitação do tempo, dos momentos de rupturas na vida, da independência da Argélia, dos traumas da guerra na poesia e nas vidas, das dores inscritas no inconsciente nacional, da superação, e muito mais. 

Esta entrevista foi realizada na residência do falecido Embaixador Lindolfo Collor, em Brasília, onde o poeta se hospeda, para o que agradecemos a hospitalidade e simpatia da Sra. Maria da Consolação Collor, que nos recebeu em meio a natureza e a arte! 

Enfim, leitor, deixo-vos a sós com o poeta para que, escutando-o livre de minha admirativa constatação, seja ainda mais límpida e proveitosa a leitura de sua poesia em todo o lirismo que ela comporta . 

Cláudia Falluh Balduino Ferreira
Brasília, 07 de agosto de 2013


                       
                                                                                                               

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